Ruben George Óliven é professor titular de antropologia da UFRGS e membro da Academia Brasileira de Ciências. Escreve mensalmente no PrOA.
Gostamos de acreditar que várias das coisas importantes de nossas vidas ocorreram por acaso. Assim, são comuns frases como "conheci minha mulher por uma casualidade" ou "devo meu atual emprego à sorte". Mas para que as coisas ocorram "por acaso" é necessário que ajudemos a construí-lo. É preciso estar em certos lugares onde as coisas acontecem e é preciso estar disponível para que elas de fato se deem.
O melhor exemplo talvez seja a paixão, que frequentemente achamos que ocorre por acaso. Ela é geralmente considerada como algo avassalador que toma conta de nós e que nos faz perder a cabeça. É um sentimento difícil de explicar que seria ao mesmo tempo lindo e irracional. É preciso ter vivenciado pelo menos uma para saber do que estamos falando. Mas os românticos que me perdoem, pois nada é mais estruturado que a paixão: tendemos a nos apaixonar por pessoas na nossa faixa de idade, da nossa classe social e com estilos de vida semelhantes. E há ou havia limites geográficos para isso. Assim, até o final da II Guerra Mundial, mais de 80% dos casamentos na área de colonização alemã no Rio Grande Sul se davam entre pessoas que viviam a menos de 10 quilômetros de distância. Não é que os colonos não se apaixonassem, mas dificilmente haveria uma maneira de eles conhecerem alguém que vivesse mais longe, pois as colônias eram organizadas de tal forma que as picadas vizinhas eram separadas por quilômetros de florestas e os caminhos transversais (os travessões) eram poucos. Hoje, é claro, podemos nos apaixonar através da internet por alguém que mora em outro continente, mas esse alguém também precisa estar navegando na web e estar disposto a conhecer uma pessoa com quem compartilhe interesses, gostos, etc. Afinal, ninguém está por acaso na frente de seu computador buscando relacionamentos
David Glass, um dos mais renomados demógrafos ingleses, costumava começar suas aulas contando uma história sobre um colega que se vangloriava de ter conhecido sua mulher em Londres de um modo fora do comum: em um ônibus. Como bom cientista social, Glass lhe fez uma série de perguntas, entre elas o número da rota do veículo e o horário em que o encontro ocorreu. De posse dessas informações, disse: "O ônibus em que vocês estavam viajando vai de um bairro de classe média alta para uma área de comércio de mesmo nível e como vocês se encontraram por volta das 11 horas da manhã, sua futura mulher não trabalhava e estava se dirigindo às compras. A probabilidade de ela ser operária nesse ônibus e nesse horário era muito remota. Já as chances de vocês serem do mesmo nível sócio-econômico e provavelmente do mesmo nível cultural eram muito altas. Logo, a única coisa fora do comum no seu casamento foi o fato de você ter abordado sua futura mulher num ônibus. Isso realmente não é coisa que um gentleman costuma fazer. Mas se vocês estão casados e felizes, esse pormenor pode ser relevado".