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Ruben George Óliven: Martha Rocha ou Gisele Bündchen?

Nos últimos 60 anos, nos tornamos um país predominantemente urbano, com menos crianças e mais idosos. Isso também afetou o padrão de beleza feminina.

Montagem / Arte ZH Digital
Martha Rocha, a eterna Miss Brasil, e a top model Gisele Bündchen

* Professor titular de Antropologia da UFRGS e membro da Academia Brasileira de Ciências. Escreve mensalmente

Em 1954, a baiana Martha Rocha foi a primeira brasileira a se tornar finalista no concurso de Miss Universo. Mulher bonita, corpo em formato de violão, quando chegou aos Estados Unidos, as pesquisas a apontavam favorita ao título. Mas quem levou o cetro e a coroa foi a norte-americana Miriam Stevenson.

Ao que parece, a decisão foi uma jogada de marketing da Catalina, fabricante de trajes de banho e uma das patrocinadoras do concurso. O critério de desempate acabou sendo a melhor silhueta em maiô. Miriam foi a escolhida por se adequar aos padrões de beleza da marca, enquanto Martha foi preterida.

Conta a lenda que Martha tinha duas polegadas (5 cm) a mais de quadris do que a medida padrão do concurso à época. O resultado causou uma grande frustração aos brasileiros e foi responsável por uma marchinha de carnaval que dizia "Por duas polegadas a mais, passaram a baiana para trás" e concluía com "Martha, Martha, ninguém tem o seu violão". Pelos padrões atuais do concurso, as duas provavelmente seriam eliminadas na fase classificatória do concurso.

No Brasil ninguém se lembra de Miriam Stevenson, mas durante muito tempo a baiana foi uma referência brasileira de beleza. Hoje, todos sabem que Martha Rocha é nome de uma torta muito apreciada e calórica. É significativo que ela fosse homenageada e eternizada no vocabulário com uma iguaria. O açúcar foi o primeiro grande ciclo econômico do Brasil. No imaginário masculino brasileiro, nossas mulheres e nossas sobremesas são doces e difíceis de resistir.

Na década de 50, a demografia do Brasil era muito diferente da atual. A expectativa de vida de um brasileiro ao nascer em 1950 era de 43 anos; atualmente, ela é de 74. A taxa de fecundidade era de 6,3 filhos por mulher em idade reprodutiva; atualmente, ela é de 1,9. A própria Martha Rocha era a sétima filha de uma família de 11 irmãos. Naquele período, a maior parte de nossa população vivia no campo e mais da metade dela era composta por pessoas com menos de 18 anos de idade.

Nos últimos 60 anos, nos tornamos um país predominantemente urbano, com menos crianças e mais idosos. Isso também afetou o padrão de beleza feminina. Com maior longevidade e menor número de nascimentos nossa população está envelhecendo. As brasileiras querem ter menos filhos. Elas também querem parecer sempre jovens.

Como isso afeta a imagem do corpo ideal feminino? A gordura das mulheres é historicamente associada à fertilidade. Em países que têm altas taxas de natalidade, o modelo de mulher atraente tende a ser mais gordo, o que pode ser atestado por pinturas de séculos passados em que abundam mulheres rechonchudas. Isso explica o fato de Martha ser mais cheia que as atuais misses. Com a queda da natalidade, o modelo de beleza feminina se torna mais esguio, aproximando-se no limite da boneca Barbie, que segundo algumas opiniões, teria dificuldade de gestação se fosse mulher.

Atualmente, a gordura, além de não ser mais considerada atraente, é vista como sinal de pouca saúde. Ela também é motivo de discriminação e até bullying. Parte das mulheres brasileiras é obcecada em ser magra e parecer jovem. Nunca houve tanta frequência a academias, e o Brasil já supera os Estados Unidos em número de cirurgias plásticas.

É interessante comparar Martha Rocha com a modelo Gisele Bündchen, novo ícone brasileiro de beleza mundial. Ao passo que a baiana era arredondada, a gaúcha é longilínea e magra. Se compararmos as duas, as medidas são muito diferentes no que diz respeito a altura (1m70cm x 1m80cm), peso (58 quilos x 52 quilos), busto (98cm x 89cm), quadris (100cm x 89cm) e índice de massa corporal (20 x 16).

Num livro primoroso, intitulado O Corpo como Capital, a antropóloga brasileira Mirian Goldenberg, analisando a importância que a aparência física adquiriu no Brasil, argumenta que o corpo é um verdadeiro capital. Trata-se da riqueza talvez mais ambicionada pelas camadas médias urbanas e também pelas mais pobres que visualizam no seu corpo um importante veículo de ascensão social. Ter um corpo bem cuidado simboliza prestígio e é recompensado pela gratificação de pertencer a um grupo de valor superior. O corpo passou a ser um símbolo que consagra e torna visíveis as extremas diferenças entre os grupos sociais no Brasil.

No Brasil, em termos de peso corporal, menos vale mais.

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