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Algumas situações curiosas sob o novíssimo governo Macri.
Em especial, a primeira...
1) As imagens que vêm da Casa Rosada só surpreendem os mais desavisados. O presidente Mauricio Macri era e é muito amigo do seu rival nas recentes eleições argentinas. Uma relação de três décadas, no mínimo. Ele e Scioli são parecidos na origem familiar ligada ao setor empresarial, na intimidade com o mundo esportivo e até na forma de pensar. Scioli era o candidato ocasional de Cristina Kirchner. Nunca foi seu preferido. Sobrou ele em meio a um deserto de opções resultante da forte centralização adotada pela ex-presidente, que não formou um sucessor. Pois bem, agora vem a notícia que surpreende até mesmo a este colunista, que está a par de todo o contexto escrito até aqui. Macri convidou Scioli para ser seu embaixador na Itália, a terra de onde vem os antepassados dos dois! Que coisa! Há duas semana, eles eram adversários no segundo turno. Agora, sorriem como sempre sorriram lado ao lado e, ainda, tendo junto as suas mulheres, Juliana Awada e Karina Rabolini, também elas amicíssimas. Ah, sabe com quem Scioli chorava as pitangas quando Cristina o xingava? Com Macri! Sabe com quem Macri conversava longamente ao telefone quando brigava com a mesma Cristina? Com Scioli. Lembrem: Macri era prefeito da cidade de Buenos Aires, a capital federal. Scioli era governador da província de Buenos Aires. Sim, sim, dois grandes amigos. Scioli, que deixou o governo de Buenos Aires, aceitará a oferta de ser embaixador do ex-rival e sempre amigo? Olha, pelo que se sabe, por enquanto ele não recusou... Alguns sinais de que o convite até pode ser aceito: a) havia um acordo entre os dois, meio a sério meio às brincas. Quem vencesse as eleições indicaria o outro para ser embaixador em Roma; b) tanto um quanto o outro são muito ligados a um argentino que vive no Vaticano, chamado Jorge Bergoblio; c) ora, depois de uma eleição desgastante, seria uma bela forma de reagrupar as famílias.
2) Segunda curiosidade destes dias interessantes: como a agora ministra da Segurança havia dito para este colunista no último dia 21, durante almoço que compartilhamos em Buenos Aires, o Caso Nisman será retomado a todo o vapor. Patricia Bullrich era deputada e integrante do núcleo duro macrista quando teve essa charla com este colunista, na véspera da eleição de segundo turno. Foi a política que mais de perto acompanhou os desdobramentos da misteriosa morte do procurador poucas horas antes do depoimento que daria sustentando que Cristina Kirchner fizera acordo acobertando a participação iraniana no atentado terrorista à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) – 85 pessoas morreram nesse atentado, somando-se às 29 que já haviam morrido em atentado semelhante contra a embaixada de Israel. Muitos dizem que Nisman é a 115ª vítima. Será? Agora, talvez possamos saber. Agora, Patricia é a poderosa ministra da Segurança. Mais: é uma das pessoas em quem Macri mais confia. Ela delineou, naquela conversa que tivemos no dia 21, o futuro do governo em diversos setores. E cantou algumas pedras. Uma delas é a estratégia do novo presidente de conseguir maioria apostando na "orfandade" dos kirchneristas sem "mamãe" - Cristina já se foi para a Patagonha, a terra da família. Pois bem, voltando ao item 1: os sorrisos dos amigos Scioli e Macri são só um exemplo dos diversos peronistas que já falam em apoiar o novo governo, que recupera o diálogo para a política argentina.
Obs: sobre o Caso Nisman, Macri já detonou o pacto que o governo argentino tinha com o Irã. Foi nesta última sexta-feira, uma das suas primeiras medidas. As portas estão abertas para que se investiguem a morte de Nisman e sua denúncia a respeito da suposta relação entre Cristina e o governo iraniano, do qual autoridades foram implicadas no terror.
3) Macri restituiu no cargo uma técnica do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) afastada na gestão de Cristina Kirchner por seu desacordo com mudanças metodológicas que, segundo denunciou na época, eram usadas para a manipular o índice de inflação. Graciela Bevacqua, ex-diretora do Índice de Preços ao Consumidor foi afastada em 2007 com vários diretores de ampla trajetória no instituto estatístico, cujas medições caíram desde então em descrédito. A normalização do Indec foi uma das promessas de campanha de Macri, que nomeou Jorge Todesca como novo diretor do organismo. "Viemos reorganizar o Instituto", disse Todesca à imprensa ao entrar nesta sexta no Indec junto a Bevacqua para uma reunião com os funcionários que deixam o instituto. Todesca, aliás, é um economista que levou o polêmico ex-secretário de Comércio de Kirchner, Guillermo Moreno, à justiça em um caso por abuso de autoridade depois de ser denunciado por divulgar estatísticas de inflação contrárias aos números oficiais. Por sua consultora privada Finsoport, Todesca estimou que a inflação em 2014 foi de 25%, frente aos 14,3% do Indec. Os questionamentos às medições oficiais também atingem a estatística que mede a pobreza, que o governo anterior deixou de difundir em abril de 2014, quando a estimou em 4,7% de uma população de 42 milhões de habitantes. O FMI aprovou em 2013 uma moção de censura aos dados oficiais geridos pela Argentina, diante da enorme diferença entre os indicadores governamentais e as estatísticas de entidades independentes. Desde janeiro de 2014 o Indec divulga o índice de inflação a partir de uma nova metodologia acordada com o FMI, que de todos modos continuou distante das medições privadas.
Enfim, dias quentes na Argentina. Dizem que vem mais por aí...