Clientes que têm visitado lojas de carros usados se deparam com uma oferta um tanto peculiar. Reluzentes e impecáveis, fileiras de modelos 2012 e 2013 fazem lembrar concessionárias de 0km. Muitos veículos ainda têm garantia de fábrica, e a maioria são completos, com ar-condicionado, direção hidráulica e travamento elétrico.

- Comecei a olhar carros zero e, por acaso, passei por uma loja de seminovos. Fiquei surpresa com o preço e optei por um usado - afirma Gizila da Silva (abaixo), faceira com seu novo compacto modelo 2013.

Pelo automóvel, com motor 1.4 e todos os opcionais, ela pagou R$ 34 mil, valor que mal daria para levar um popular novo. Muitos consumidores têm agido como Gizila. De janeiro a abril, a venda de veículos novos caiu 5% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto a venda de seminovos cresceu 4,2%. Três a cada quatro carros vendidos no país já tiveram dono.
Nessa escolha, os clientes são guiados por dois motores: maior oferta de usados em bom estado e dificuldade em obter crédito. Conforme as revendas, os bancos passaram a rejeitar um terço dos pedidos de financiamento, além de reduzir o prazo de pagamento de 60 para 36 meses.
- Os bancos argumentam que cresceu a inadimplência e têm dificuldade em retomar os veículos. Como boa parte do comércio dos novos é por financiamento, muito clientes têm buscado opções mais baratas - explica Fernando Sbroglio, presidente do Sincodiv/Fenabrave no Estado, entidade que representa as concessionárias.
A chegada de mais veículos às revendas é fruto da febre de consumo durante o período de redução ou isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), colocada em prática pelo governo desde a crise de 2008. Após alguns anos de uso, os veículos estão voltando ao mercado.
- Temos recebido muitos carros de baixa quilometragem, cujos donos usam de entrada um novo ou simplesmente põem à venda porque não conseguem pagar a parcela - explica Lauro Mongaut, diretor da Iesa Multimarcas, revendedora de seminovos que viu as vendas crescerem 15% desde o início do ano.
Em 2014, o preço cobrado pelos novos subiu também em razão da exigência por itens de segurança (freios ABS e airbag) em todos veículos saídos de fábrica. As montadoras aumentaram o preço em até 4% para atender à norma, e a diferença do novo para o usado cresceu ainda mais.
- Com o preço de um zero básico, dá para comprar um usado, com até dois anos, completo e com câmbio automático - afirma Rodrigo Ferreira (abaixo), 36 anos, que na semana passada ia de loja em loja em Porto Alegre atrás de um sedan seminovo para a mulher.

Para sustentar um carro, outro carro
Diz-se que o brasileiro é apaixonado por carro. Mas quando a compra é feita sem planejamento, essa paixão pode rapidamente acabar. Economistas costumam lembrar que o custo de manter um veículo, ao longo de três anos, pode ser o mesmo de um automóvel zero, considerando gasolina, manutenção, estacionamento, impostos e seguro. A conta nem inclui o juro pago no caso de compras parceladas.
- Se alguém roda até 15 quilômetros por dia, vale mais a pena pagar táxi do que ter um carro, considerando todos os custos envolvidos - calcula Alfredo Meneghetti Neto, professor de economia da PUCRS.
Muita gente compra o carro enxergando apenas a parcela que cabe no bolso, sem considerar outras despesas que vêm junto. Depois de alguns meses rodando, percebe que não terá dinheiro para manter o veículo. Outro fator que depõe contra o automóvel, sublinha Meneghetti, é a depreciação. A cada ano, um carro perde valor de mercado. Isso ocorre pelo menos até o 10º ano, quando o valor fica estável.
- Um carro zero perde de 15% a 20% de seu valor no momento que sai da concessionária. Não dá para recuperar o investimento - calcula Meneghetti.
Evidentemente, em uma cidade como Porto Alegre, a exemplo da maior parte das capitais brasileiras, a dispensa do carro esbarra em um sistema de transporte coletivo pouco eficiente e em táxis caros e escassos. Para quem sonha em virar motorista, então, o consultor financeiro Álvaro Modernell recomenda usar a calculadora:
- O ideal é pagar à vista. Se não for possível, deve-se dar pelo menos 40% do valor como entrada para reduzir o efeito do juro.
Modernell também pondera sobre a opção pelo novo ou usado: se a pessoa pretende ficar mais de sete anos com um mesmo carro, vale a pena pegar um automóvel zero quilômetro, pois o gasto com manutenção no longo prazo será baixo ao longo desse período.
Venda de modelos 0km engata a marcha a ré
Desde que o governo federal elegeu o setor automotivo como um dos favoritos para receber estímulos, na tentativa de ultrapassar a crise internacional turbinando o mercado interno, a venda de carros 0km disparou no Brasil. Desde 2011, foram 10,3 milhões de novos automóveis nas ruas e estradas brasileiras, em um mercado lubrificado também pelo crédito farto e a perder de vista.
Os dados de 2014 indicam que a festa pode ter chegado ao fim. Em janeiro, as vendas caíram pela primeira vez em 10 anos. A marcha a ré está engatada desde lá. Em maio, a venda de novos caiu 7,2% sobre o mesmo mês do ano passado.
- Além da recomposição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), outros fatores têm freado as vendas, como o desaquecimento da economia e, principalmente, restrição de crédito - afirma Fernando Sbroglio, presidente do Sincodiv/Fenabrave do Estado, entidade que representa as concessionárias.
O resultado é que os pátios da concessionárias estão com um mês de produção parada, volume considerado preocupante. O movimento das montadoras por novos estímulos começou. Além de reuniões com a equipe econômica do governo, montadoras passaram a anunciar dispensas e fechamento de turnos. Em abril, o emprego na indústria automotiva caiu 0,8%, conforme a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Em Gravataí, a GM anunciou a suspensão do terceiro turno de trabalho por um mês, a partir de 16 de junho.
- É uma adequação normal das montadoras em época de baixa procura. Mas o mercado brasileiro ainda tem um potencial imenso de venda - avalia Antônio Jorge Martins, diretor do Centro de Estudos Automotivos (CEA) e professor de estratégia e finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo.
Além do IPI reduzido - as alíquotas deveriam subir em julho, mas o governo sinalizou na semana passada que deve manter o benefício -, as montadoras querem que o Banco Central regulamente uma norma que facilite a retomada pelos bancos de automóveis cujo pagamento das parcelas está em atraso. Conforme empresários, isso pode levar os bancos a voltarem a abrir o cofre. Martins, no entanto, é cético quanto à eficiência dessas medidas:
- O governo está sem margem para conceder novas reduções tributárias, e a retomada do crédito se dará conforme a população volte a incrementar a renda e se dispor a tomar novas dívidas.
ATENÇÃO NA HORA DE COMPRAR

Optar por um carro usado exige do consumidor alguns cuidados. Para não entrar em uma fria, é preciso avaliar a mecânica, a lataria e os documentos do carro. A vantagem que pode ser obtida ao pagar um valor menor pode se perder se o veículo apresentar problemas logo depois de fechar o negócio. Veja algumas dicas:
Parte interna
Desconfie de carros que não tenham uma média de 20 mil quilômetros por ano. Pode indicar alteração no hodômetro. Volante ou câmbio gastos podem comprovar a mudança.Ao sentar-se nos bancos, verifique se eles estão afundados, soltos ou tortos. É preciso observar se não estão rasgados ou manchados.
Escapamento
O ideal é que a fumaça seja branca. Fumaça preta pode significar que o veículo está desregulado. Se for azulada, indica queima de óleo no motor, um problema grave.
Pneus
Pneus desgastados por dentro estão fora da geometria, o que pode significar um problema na suspensão. Os pneus devem ter o mesmo nível de desgaste entre si, para indicar que o carro está regulado.
Lataria
Dê batidinhas e procure diferença de som. Isso pode significar uma emenda mal feita em algum local. Procure por pontos de corrosão. Se a pintura tiver bolhas, pode ser sinal de ferrugem.
Documentação
É possível ter acesso a informações de débitos e restrições do carro no site do Detran. Para isso, é necessário ter a placa do veículo e o Renavan (Registro Nacional de Veículo Automotor).
Motor
Atenção com o barulho do motor. Sons de ferro batendo ou peças soltas, por exemplo, são sinais de problema. Confira se o barulho e a vibração do carro em marcha lenta é oscilante.
Câmbio
Teste o câmbio para verificar se há dificuldade para engate. Se trancar ou arranhar, pode indicar desgaste da caixa. O pedal de embreagem não pode ser duro demais. Se ranger é sinal de problema na prensa ou no disco.
Freio
Com o carro parado e o motor ligado, pise no freio, mantendo o pé no pedal. Se ele abaixar aos poucos, significa que está ocorrendo vazamento de fluído.