
Desde antes da colonização portuguesa até a mais novíssima geração de artistas contemporâneos, a história da arte brasileira costuma ser contada em capítulos que cobrem mais de 500 anos. Alguns de seus momentos mais emblemáticos, no entanto, concentram-se nas primeiras décadas do século 20. Foi a época em que muitos grandes artistas confrontaram a tradição ao enveredar pelos caminhos inovadores da arte moderna, em uma aventura que produziu algumas das nossas maiores obras.
A exposição que a Fundação Iberê Camargo inaugura nesta quinta-feira é um convite a acompanhar algumas passagens que ajudam a melhor compreender um período da história da arte brasileira. Com mais de 70 obras apresentadas em dois andares, Arte moderna na coleção da Fundação Edson Queiroz reúne nomes fundamentais como Alberto da Veiga Guignard, Alfredo Volpi, Amilcar de Castro, Anita Malfatti, Candido Portinari, Cicero Dias, Di Cavalcanti, Franz Weissmann, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Vicente do Rego Monteiro, Victor Brecheret e Willys de Castro.
Leia mais:
Exposição de Francisco Brennand tenta transportar visitante para o lugar onde o artista cria suas obras
Marilia Fayh inaugura exposição e lança livro no Margs
"Espaço Além" mostra a artista sérvia Marina Abramovic em jornada espiritual pelo interior do Brasil
Mostra resgata envolvimento de Iberê Camargo com a agitação política dos anos 1980
São todos artistas que protagonizaram um período de inflamadas polêmicas, situadas entre os antecedentes da Semana de Arte Moderna de 1922 e os desdobramentos plásticos das décadas seguintes em pintura, escultura e desenho. Ou seja, todas as divisões e tendências que pautaram os embates da arte moderna – figurativos contra abstratos, identidade nacional versus influência estrangeira, abstracionismo geométrico ou informal – antes da chegada das práticas artísticas que inaugurariam, a partir dos anos 1960, o que passaria a ser chamado de arte contemporânea.
Depois de estrear na Pinacoteca do Estado de São Paulo e passar pela Casa Fiat, em Belo Horizonte, Arte moderna... chega a Porto Alegre em versão ampliada. Na sequência, seguirá para o Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba.
– O foco da exposição é a produção de artistas modernos atuando no Brasil entre as décadas de 1920 e 1960 – diz a historiadora da arte Regina Teixeira de Barros, que assina a curadoria. – A exposição oferece algumas narrativas a partir das obras apresentadas. Por isso, não se trata de perpetrar uma narrativa generalizadora, que dê conta de toda a historiografia do período.
As obras da mostra pertencem à coleção Edson Queiroz, sediada na Universidade de Fortaleza, no Ceará. Trata-se de um acervo que percorre pelo menos 400 anos da produção artística.
– É uma preciosa coleção com cerca de 800 obras significativas de todos os períodos – diz Regina. – O que se verá em Porto Alegre é um recorte modesto desse acervo.
Arte moderna brasileira em 4 tempos
A exposição que ocupará dois andares da Fundação Iberê Camargo é um convite para se apreciar obras que ajudam a contar uma parte da história da arte do país na primeira metade do século 20. Conheça um pouco do que será mostrado:
1 – Influência de fora
Nascido na Lituânia e de origem judia, o artista Lasar Segall chegou ao Brasil em 1923, aos 32 anos, influenciando o meio artístico de São Paulo, tido como berço do modernismo brasileiro. Sua pintura Duas amigas (abaixo), de 1913, mostra uma síntese de influências estrangeiras, como as cores que fogem a uma representação fiel da realidade e as formas geometrizadas que remetem ao cubismo. Nas décadas seguintes, Segall recuaria, retomando uma pintura menos experimental. Na exposição, ecos do cubismo também aparecem em obras de Antônio Gomide, Ismael Nery, Vicente do Rego Monteiro e Victor Brecheret.

2 – Modernismo x tradição
Um dos principais nomes da primeira geração do modernismo brasileiro, Anita Malfatti estudou na Alemanha e nos EUA, experiência na qual absorveu influências das vertentes expressionistas. De volta ao Brasil em 1917, aos 28 anos, abriu uma exposição que foi alvo de uma virulenta crítica do escritor Monteiro Lobato, que chamou suas obras de aberrações. Era o início da primeira grande querela entre a tradição e o jovem modernismo. A pintura Interior (abaixo) é exemplar da fase posterior e menos polêmica de Anita.

3 – Simplificação das formas
A arte moderna brasileira levou algum tempo para assimilar a influência externa da abstração. Muitos artistas, inclusive, mantiveram-se figurativos. Outros não se lançaram a uma abstração completa, optando pela redução e simplificação das formas. É o caso de Alfredo Volpi, em cuja produção é possível observar uma passagem entre o figurativo e o abstrato. É quando suas conhecidas bandeirinhas passam a formar composições regidas por certa geometria, como na pintura Elementos de fachada (abaixo), de 1960. O enfrentamento entre figuração e abstração também pode ser visto na exposição em obras de Antonio Bandeira, Bruno Giorgi, Ione Saldanha, José Pancetti, Lasar Segall, Maria Helena Vieira da Silva e Maria Leontina.

4 – Abstracionismos
Antes de ficar internacionalmente reconhecido pelos trabalhos ousados em que fez do ambiente e do corpo um território de expressão, Hélio Oiticica foi um pintor concretista, da chamada abstração geométrica. Mas, no caso dele, tratava-se de uma geometria não tão rígida, marcada por certo desequilíbrio das formas, como em Metaesquema (abaixo), de 1958. Na exposição, também são apresentadas pinturas de artistas vinculados à outra vertente, a abstração informal, como Tomie Ohtake. A ideia é dialogar com a fase dita abstrata de Iberê Camargo nos anos 1960 e 1970.

Arte moderna na coleção da Fundação Edson Queiroz
Abertura quinta-feira (23/6), às 19h, para convidados.
Visitação a partir de sexta-feira, de terça a domingo (inclusive feriados), das 12h às 19h (último acesso às 18h30min). Até 16 de outubro. Entrada gratuita.
Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2.000), em Porto Alegre, fone (51) 3247-8000. Estacionamento: no subsolo da Fundação, com entrada pela Av. Padre Cacique, no sentido Zona Sul.