
Produção que começou a despontar mundialmente a partir da década de 1950, a cinematografia polonesa foi a homenageada deste ano da 40ª Mostra Internacional de São Paulo, que exibiu cópias restauradas de obras fundamentais de dois de seus principais nomes: os mestres Krzysztof Kieslowski (1941 – 1996), com todos os episódios de seu projeto Decálogo, e Andrzej Wajda (1926 – 2016) – o grande realizador morto em outubro passado foi lembrado com uma retrospectiva de 17 de seus títulos. A seção Foco Polônia, no entanto, também destacou o cinema polonês contemporâneo, mostrando no evento paulistano longas recentes como o excelente Estados unidos pelo amor (2016), que entrou em cartaz na Capital nesta semana – sessões retomadas a partir de domingo no Guion Center. O terceiro longa de Tomasz Wasilewski, diretor e roteirista de 36 anos, levou o Urso de Prata de melhor roteiro do Festival de Berlim de 2016 e o Prêmio José Carlos Avellar de experimentação de linguagem no BIFF – Festival Internacional de Cinema de Brasília.
A história de Estados unidos pelo amor gira em torno do cotidiano de quatro mulheres que moram em um típico conjunto habitacional do Leste Europeu comunista. O ano é 1990, época em que a Polônia começa a viver uma onda eufórica de liberdade e futuro incerto. Além da vizinhança, o traço comum dessas protagonistas é a solidão. Agata (Julia Kijowska) é uma jovem mãe presa em um casamento sem paixão que sonha com um relacionamento impossível com o padre de sua paróquia. Já Renata (Dorota Kolak) é uma madura professora de literatura russa, que tem por companhia apenas os passarinhos que cria no apartamento e é fascinada por sua vizinha Marzena (Marta Nieradkiewicz), ex-miss que dá aulas de educação física e também mora sozinha – o marido trabalha na Alemanha. Por fim, Iza (Magdalena Cielecka, do filme Katyn, dirigido por Wajda), irmã de Marzena, é diretora do colégio em que Renata trabalha, e tem um caso com um homem recém-viúvo, pai de uma aluna. Cada qual infeliz à sua maneira, essas mulheres decidem que é hora de lutar por seus sonhos e desejos.
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Se a primeira cena de Estados unidos pelo amor mostra um grupo reunido em volta a uma mesa posta conversando descontraidamente sobre as possibilidades que o porvir lhes apresenta – o Muro de Berlim acabou de cair, o colapso da União Soviética é iminente –, logo as situações seguintes imprimirão um registro mais pesado à narrativa. Na prática, os novos tempos ainda são pouco mais do que pano de fundo, referências ralas ao mundo do consumo e à cultura pop – que surgem como um pôster da cantora norte-americana Whitney Houston na parede ou fitas VHS pornôs importadas de contrabando.
Fundamental na recriação de época e para o clima melancólico do enredo são as estilizadas imagens em tons baixos e esmaecidos de Oleg Mutu, diretor de fotografia moldávio responsável pelo visual de grandes filmes como 4 meses, 3 semanas e 2 dias (2007), do romeno Cristian Mungiu, e Na neblina (2012), do russo Sergei Loznitsa. Diretor do drama de viés homoafetivo Arranha-céus flutuantes (2013), Wasilewski demonstra uma admirável maturidade para um realizador com um currículo ainda incipiente. Como Kieslowski fez no antológico Decálogo, o cineasta transforma em Estados unidos pelo amor o cinzento condomínio suburbano onde seus personagens jazem em um microcosmo da Polônia que conheceu na infância.
ESTADOS UNIDOS PELO AMOR
De Tomasz Wasilewski.
Drama, Polônia/Suécia, 2016, 104min, 18 anos.
Em cartaz no Guion Center 1 (16h30) e Guion Center 3 (14h40 e 21h05).
Neste final de semana, sessões apenas no domingo.