
Hollywood despertou para a II Guerra Mundial apenas quando as bombas japonesas arrasaram Pearl Harbor e lançaram os Estados Unidos no conflito. Até então, 7 de dezembro de 1941, a poderosa indústria cinematográfica americana, mesmo com alguns de seus principais donos de estúdio sendo expatriados europeus de origem judaica, fazia vista grossa à ascensão de Hitler e à perseguição aos judeus. Tudo porque a Alemanha era um importante mercado para os filmes norte-americanos, como conta e comprova, entre outras publicações, A Colaboração – O Pacto entre Hollywood e o Nazismo, lançado em 2013 pelo historiador e pesquisador da Universidade de Harvard Ben Urwand.
Livro conta como Hollywood negociou com os nazistas
Filme inacabado de Orson Welles será finalizado com apoio da Netflix
Quando Hollywood, enfim, decidiu ir ao front, engajou astros e estrelas na campanha e convocou para a linha de frente cinco de seus melhores cineastas: Frank Capra, John Ford, John Huston, George Stevens e William Wyler, promovidos a oficiais e enviados à Europa, ao norte da África e ao Pacífico. No comando de cinegrafistas e montadores, o quinteto recebeu a missão de realizar documentários que mostrassem o poder do cinema como propaganda mobilizadora – algo que os nazistas faziam há anos com reconhecida expertise.
Essa história é detalhadamente narrada no livro Cinco Voltaram, lançado em 2014 pelo jornalista Mark Harris, autor do referencial Cenas de uma Revolução – O Nascimento da Nova Hollywood. Editada no Brasil, a publicação deu origem agora em 2017 a uma série coproduzida pela Netflix, que acaba de chegar à plataforma do serviço no país com seu título original, Five Came Back.
Com três episódios e direção de Laurent Bouzereau, Five Came Back recrutou outros cinco grandes diretores para reverenciar os velhos mestres: Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, Guillermo del Toro, Paul Greengrass e Lawrence Kasdan, cada qual destacando a trajetória de um antecessor. A atriz Meryl Streep faz a narração que costura depoimentos atuais e imagens de arquivo.
A série destaca como Hollywood e, por consequência, os EUA demoraram a dar o devido peso à ascensão do nazismo, no começo dos anos 1930. Com raras exceções, seus filmes abordavam o tema como um problema distante. Hitler e seu parceiro de tirania e histrionismo, o italiano Mussolini, eram retratados como figuras cômicas. À época, os filmes da propaganda nazista chamavam a atenção pelo impacto junto a seu público-alvo e por suas qualidades formais – caso do superlativo O Triunfo da Vontade (1935), de Leni Riefenstahl, que fez queixos caírem na meca do cinema.
Quando os EUA declararam guerra ao Japão e formalizaram a beligerância também com Alemanha e Itália, foi consenso no governo Franklin Roosevelt que o contra-ataque deveria envolver a força da indústria cinematográfica local. Capra, Ford, Huston, Stevens e Wyler ficaram responsáveis por elevar o espírito da nação e dos soldados com seus documentários. E assim o fizeram, com a competência esperada e arriscando suas vidas – Ford foi ferido num bombardeio, e Wyler perdeu a audição de um ouvido.
Ford mostrou em The Battle of Midway a primeira vitória americana contra os japoneses no Pacífico. Capra conduziu a série Why We Fight, que teve entre seus capítulos A Batalha da Rússia, com a contraofensiva soviética que selou o destino da Alemanha. Wyler alcançou grande repercussão com Memphis Belle: A Story of a Flying Fortress, primeiro filme a ganhar uma crítica na capa do The New York Times. Spielberg, encarregado dos segmentos dedicados a Wyler, prestou tributo à façanha da aeronave símbolo da esquadrilha na sua ficção Memphis Belle – A Fortaleza Voadora (1990).
Huston foi responsável por dois títulos controversos. Seu registro em A Batalha de San Pietro, na Itália, descobriu-se logo depois, foi encenado – ele e sua equipe chegaram ao front pouco depois de terminado o enfrentamento ciomn o alemães. As imagens de soldados mortos e feridos são reais, mas a recriação foi de tal forma realista – em recursos como movimentos de câmera e montagem – que, além de se passar por documentário nato, estabeleceu uma linguagem referencial para as produções de guerra ficcionais. Huston também assinou Let There Be Light, com depoimentos de militares que voltavam para casa profundamente traumatizados – dramaticamente impactante, o filme ficou censurado por mais de 30 anos. Já Stevens, seguindo a campanha de libertação da Europa, testemunhou o horror dos campos de concentração onde foram exterminados milhões de judeus – suas imagens foram usadas como provas de crimes de guerra no julgamento de Nuremberg. Esses e outros filmes produzidos pelo quinteto também estão disponíveis na Netflix (procure pelo nome do diretor).
Lição de cinema e de história imperdível, Five Came Back sublinha ainda como a experiência no front afetou as carreiras desses cineastas. Stevens nunca mais dirigiu comédias, gênero que o consagrou, apresentando depois dramas robustos como Um Lugar ao Sol (1951) e Assim Caminha a Humanidade (1956) e o faroeste Os Brutos Também Amam (1953) – voltou à II Guerra com O Diário de Anne Frank (1959). Capra revitalizou-se com a obra-prima humanista A Felicidade Não se Compra (1946), assim como o versátil Ford, que apresentou em sequência o drama de guerra Fomos os Sacrificados (1945) e o western Paixão dos Fortes (1946). Huston lançou o clássico O Tesouro da Sierra Madre (1948). Wyler, por sua vez, ganhou sete Oscar com Os Melhores Anos de Nossa Vida (1946), sobre três militares que tentam retomar suas vidas em uma pequena cidade dos EUA arrastando os fantasmas da II Guerra.