Livros

O sargento rebelde

Caso das "mãos amarradas", sobre crime da ditadura militar, é tema de novo romance

Assassinato de sargento expulso do Exército depois do golpe de 1964 é o mote de "O sargento, o marechal e o faquir", novo livro de Rafael Guimaraens

Alexandre Lucchese

Funeral do sargento Manoel Raymundo Soares se transformou em um dos primeiros atos de resistência ao golpe de 1964 em Porto Alegre

Foram as águas do Rio Jacuí que trouxeram à tona um dos crimes da ditadura de 1964 mais comentados pela imprensa local e nacional. Foi ali que o corpo do sargento Manoel Raymundo Soares foi encontrado, em 24 de agosto de 1966, com as mãos atadas e marcas de tortura. O episódio ficou conhecido como o "caso das mãos amarradas" e causou grande comoção popular – a censura aos jornais ainda não havia sido instituída. Como em outros casos da época, ninguém foi punido pelo crime.

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O episódio, que completa 50 anos este mês, é o tema do mais novo trabalho do jornalista Rafael Guimaraens, premiado autor de livros-reportagens. O sargento, o marechal e o faquir transforma em romance a vida de Raymundo Soares, bem como as investigações sobre seu assassinato. O volume será lançado nesta quinta-feira, com um bate-papo do autor com Carlos Frederico Guazzelli (da Comissão Estadual da Verdade) e Suzana Lisbôa (da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos). O encontro será na Fundação Ecarta (João Pessoa, 943), às 19h.

– A ideia de escrever um livro com linguagem de romance foi um modo de fazer mais gente se interessar para ler, não apenas aquelas que já se interessam por livros sobre a ditadura e direitos humanos – conta Guimaraens.

Refael Guimaraens é autor de premiados livros-reportagens

Apesar de ser narrado de modo leve e envolvente, O sargento, o marechal e o faquir não usa histórias ou detalhes ficcionais para condimentar a narrativa. Tudo é produto de rigorosa pesquisa jornalística – há mais de 10 anos Guimaraens estuda o caso. Mas há personagens que poderiam estar até em livros de ficção. Além de Soares, que nasceu pobre no Pará e mudou-se para o Rio, onde seguiu carreira militar e se transformou em um aficionado por música erudita, há outras personalidades que atraem a atenção do leitor.

O marechal do título faz referência ao então presidente Castelo Branco (1900 – 1967), mas quem rouba a cena é Edu Rodrigues, também conhecido como o faquir Príncipe Aladim, que, depois de uma malfadada carreira fazendo jejum em camas de prego cercadas por serpentes, torna-se informante dos militares. É essa figura extravagante e insólita que delata Soares – o paraense já havia sido expulso do Exército, por não apoiar o golpe de 1964, e estava oculto em Porto Alegre para fazer contatos e estabelecer resistência ao regime militar.

Manoel Raymundo Soares, com a farda do Exército

O autor espera que o livro contribua para preservar a memória sobre o ditadura militar, principalmente para as novas gerações:

– Sem informação, os jovens podem idealizar o passado, achar que foi até mesmo bom. A anistia tenta estabelecer um pacto com base no esquecimento. Isso é uma coisa que não funciona em lugar algum. O esquecimento deixa feridas que estão até hoje abertas. As famílias não conseguem saber o que aconteceu com seus parentes, os torturadores andam soltos, e o país segue dividido.

Zero Hora acompanhou os desdobramentos do caso na época. Confira:

ENTENDA O CASO

- Um corpo foi encontrado com as mãos amarradas e marcas de tortura no Rio Jacuí, nas imediações da Ilha das Flores, em 24 de agosto de 1966. O fato chocou a população e a imprensa, ficando conhecido como “o caso das mãos amarradas”.

- Poucos dias depois, a identidade do morto foi descoberta. Era o ex-sargento paraense Manoel Raymundo Soares, expulso do Exército em julho de 1964, pois oferecia resistência ao golpe militar.

- Soares havia sido preso em 11 de março de 1966, sendo exposto a várias sessões de tortura. O ex-sargento visitava Porto Alegre para encontrar lideranças da resistência ao regime militar.

- Uma CPI foi criada para investigar o caso, mas ninguém foi punido pelo crime. Em 2005, uma ação movida pela viúva de Soares foi julgada, responsabilizando a União pela morte.

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