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Larissa, Francisco, Jonas, Pedro e Clarissa têm entre 20 e 24 anos e, desde a semana passada, um Kikito de melhor curta brasileiro do Festival de Gramado em suas estantes. O prêmio foi para Se Essa Lua Fosse Minha, que eles realizaram em um processo de criação coletiva (com funções técnicas definidas, ressalte-se) na disciplina de documentário do Curso de Realização Audiovisual da Unisinos. Trata-se de um filme representativo da enorme produção que há uma década sai dos quatro cursos superiores de cinema do Estado - e que vem, muitas vezes, fazendo frente a trabalhos assinados por cineastas amplamente reconhecidos.
Os exemplos do quadro abaixo não são os únicos. Se Essa Lua... chegou à competição nacional de Gramado (foi um dos 14 selecionados entre 412 inscritos) um ano depois de O Matador de Bagé, de Felipe Iesbick, curta realizado na mesma universidade que passou por uma peneira semelhante em 2013. Ambos os títulos surgem quando as primeiras levas de formandos desses cursos chegam a festivais como Veneza (é para lá que Pedro Harres vai levar, semana que vem, Castillo y el Armado) e, com seus primeiros longas, visitam Berlim (caso de Castanha, de Davi Pretto) e Toulouse (onde Filipe Matzembacher e Márcio Reolon participaram de laboratório com seu Beira-Mar).
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- Essas gerações têm uma visão ampla do processo cinematográfico, além do contato com gente experiente e muita reflexão, num lugar em que a atividade principal é esta - comenta Milton do Prado, coordenador do curso da Unisinos. - Na minha época, sem escolas de graduação, o cinema era nossa segunda atividade, não a primeira.
Se Essa Lua Fosse Minha é um documentário sobre os sonhos de pessoas que circulam pela Rua Garibaldi, próximo a Farrapos, em Porto Alegre. O cenário é de prostituição e uma decadência que, com as obras na Voluntários da Pátria, passa uma sensação de futuro que não deu certo. Há referência aos "afronautas", como foram batizados os sonhadores de Zâmbia que ousaram entrar na corrida espacial nos anos 1960.
- Fazer essa relação foi ideia do Pedro (Gossler, roteirista e fotógrafo) - diz Jonas Costa, que assina a produção e o desenho de som.
- Fizemos o filme sem muita hierarquia de funções. Eu trouxe o argumento central e ele foi desenvolvido por todos - complementa a diretora Larissa Lewandowski.
O quinteto, formado ainda por Francisco Sieczkowski e Clarissa Virmond, usou uma câmera portátil e, calculam eles, um total de apenas "uns R$ 120" para finalizar o curta. Não que sejam os primeiros a aproveitar o barateamento dos meios de produção da era do vídeo digital para fazer um filme que será lembrado pelas gerações futuras. Seguramente, no entanto, estão entre aqueles que mais cedo recebem reconhecimento em meio a esse contexto.
Cinema na sala de aula
> Desde 2003, o Curso de Realização Audiovisual da Unisinos formou vários nomes de destaque do cenário local no século 21. Entre eles, Marcos Contreras e Pedro Harres, diretores de Um Animal Menor (2009) - Harres levará o curta Castillo y El Armado (2014) ao Festival de Veneza, na semana que vem. Sobre um Dia Qualquer (2008), de Leonardo Remor, Lugar Comum que Nunca Sonhamos (2010), de João Gabriel Queiroz, e Um Conto à Deriva (2010), de Germano Oliveira, O Segredo dos Lírios (2011), de Brunna Kirsch e Cris Aldrey, e Codinome Beija-Flor (2012), de Higor Rodrigues, são outros curtas produzidos no curso que foram a diversos festivais.
> O Curso de Tecnologia em Produção Audiovisual da PUCRS existe desde 2004. Formou, entre outros, Davi Pretto, Paola Wink e Bruno Carboni, responsáveis pelo longa Castanha (2014), e Filipe Matzembacher e Márcio Reolon, do ainda inédito longa-metragem Beira-Mar. Foi lá que Matzembacher, Abel Roland, Amanda Copstein, Emiliano Cunha e Gabriel Ferreira, realizadores de curtas que circularam pelo circuito de festivais, dirigiram Cinco Maneiras de Fechar os Olhos (2012), um dos primeiros longas universitários do país.
> Os cursos Cinema e Audiovisual e Cinema de Animação, da Ufpel, em Pelotas, surgiram em 2007 com um currículo único - foram divididos em dois nos anos seguintes. Têm enviado filmes a diversos festivais nacionais, como a animação Sentimentário (2010), de Caio Mazzilli e Carolina Gaessler Araujo, e o documentário Casa de Pompas (2013), de Bruna Fortes e Gabriel Paixão.
> No Curso de Produção Audiovisual da Ulbra foram produzidos O Barato do Vovô (2009), de Felipe Antoniolli, e Bacon ou Rúcula (2013), de Laércio Leitzke, entre outros curtas que tiveram exibições em diferentes espaços fora da universidade.
Gurizada na vitrina
A quantidade - e a qualidade - de filmes acadêmicos motivou a realização do 1º Festival de Cinema Universitário, que a Capital receberá em novembro deste ano. O evento deve apresentar os "novos" Se Essa Lua Fosse Minha. E os "velhos", também - Lucas Sá, aluno da Ufpel, por exemplo, tem 21 anos e nove curtas no currículo, todos de 2010 para cá, e um deles, Nua por Dentro do Couro (2014), selecionado para o próximo Festival de Brasília.
Esse olhar em perspectiva permite entender que tudo não aconteceu de uma hora para outra nas universidades gaúchas. Na verdade, demorou.
- Eu morava em Londres em 2002 e 2003, época de protestos contra a invasão dos EUA ao Iraque. Foi incrível constatar o quanto a garotada filmava aqueles protestos - relata Boca Migotto, professor que orientou a realização de Se Essa Lua... - Aqui, o contato massivo dos jovens com o audiovisual chegou mais tarde.
Os cursos superiores sistematizam o aprendizado dessa linguagem tão presente no cotidiano das novas gerações. E, relata Larissa Lewandowski, permitem "descobrir atalhos e crescer rapidamente", além de "exercitar o cinema o tempo todo, como uma profissão de fato", acrescenta Jonas Costa.
Antes do prêmio para Se Essa Lua..., os curtas gaúchos obtiveram destaque nacional em Gramado outras vezes. Primeiro, com os filmes da turma que fundaria a Casa de Cinema de Porto Alegre (a exemplo de O Dia em que Dorival Encarou a Guarda, de 1986; A Voz da Felicidade, 1988; Ilha das Flores, 1989; e Deus Ex-Machina, 1995). Depois, com as gerações de Dennison Ramalho (Nocturnu, 1999), Liliana Sulzbach (A Invenção da Infância, 2000) e Cacá Nazário (Justiça Infinita, 2002). Em 2011, Rodrigo John ganhou o Kikito de melhor curta brasileiro por Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo.
A notícia de 2014 é a ascensão da turma mais jovem a receber essa láurea.
- Já falei aos alunos esta semana: inscrevam seus filmes nos festivais. Viram como não só é possível ser selecionado como ainda dá para ganhar? - relata a professora da Ufpel Ivonete Pinto.
Fique sabendo:
Porto Alegre vai sediar o 1º Festival Universitário de Cinema entre 7 e 16 de novembro deste ano. O projeto é da Fantaspoa Produções, em conjunto com a prefeitura da capital gaúcha. Podem participar filmes produzidos nas universidades de 2012 para cá. As inscrições estão abertas. Outras informações em www.festivaldecineuniversitario.com.