
O astro de Hollywood Tim Robbins assina a direção da peça Sonho de uma Noite de Verão, grande atração internacional do 21º Porto Alegre em Cena. Com ingressos esgotados, o espetáculo tem sessões sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 18h, no Theatro São Pedro. Em conversa por telefone com ZH, o ator e diretor conhecido por filmes como Um Sonho de Liberdade (1994) e Sobre Meninos e Lobos (2003) diz que considera o teatro uma arte especial e comenta os problemas financeiros de sua companhia no passado.
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Como um ator e diretor consagrado no cinema vê a importância de seguir envolvido com o teatro depois de 30 anos?
Ao longo da minha carreira, sempre retornei à The Actors' Gang (companhia teatral com sede na Califórnia). Nesta época em que nós assistimos a filmes nos nossos iPads e celulares, respondemos e-mails enquanto assistimos a algum entretenimento, o teatro ainda é o único lugar onde se pode ter a atenção ininterrupta ao contar uma história. A experiência é mais empolgante porque cada performance é um encontro entre ator e plateia de um modo direto, pessoal, que os filmes não alcançam.
Falando em filmes, qual o seu projeto no momento?
Estou filmando uma série na HBO chamada The Brink. É uma sátira sobre a crise nuclear no Paquistão, tem sido muito empolgante fazê-la. Mas estou desapontado que minha agenda não tenha me permitido ir ao Brasil.
Em 2014, o mundo comemora os 450 anos do nascimento de Shakespeare. Por que você escolheu Sonho de uma Noite de Verão para celebrar esse aniversário?
Eu a considero uma peça extraordinariamente bonita, a única que conheço que termina com uma bênção à plateia. No final, o rei dos elfos fala sobre as crianças que serão concebidas naquela noite, depois que a peça terminar, e as abençoa com saúde absoluta e segurança. A peça tem muito a dizer sobre a natureza efêmera do amor e a sua habilidade de curar feridas. A primeira parte é sobre um casamento arranjado e, quando a apresentamos na China, nos demos conta de que para os jovens era uma peça moderna, sobre a vida deles, porque eles ainda têm casamentos arranjados lá. Então, a peça assumiu grande relevância. Como em qualquer lugar onde alguém está apaixonado e precisa escutar outros lhe mandando amar outras pessoas.
Você afirmou em entrevista que montou Sonho de uma Noite de Verão conforme o original porque aprendeu em Hollywood que não se deveria mexer com Shakespeare. Como você lidou com o desafio de executar Shakespeare como o original e, ao mesmo tempo, deixar a sua assinatura de diretor?
Não gosto das peças de Shakespeare que são, por exemplo, ambientadas em Chicago, e todos são gângsteres. Não funciona: é colocar uma ideia em uma peça que já tem muitas ideias. Então, começamos com o texto e a ideia de criar uma peça a partir de nada, sem gastar dinheiro - naquele momento, não tínhamos grana para gastar. Como fazer essa peça funcionar somente com atores e nenhum cenário? A floresta tinha que ser criada visual e oralmente somente pelos atores: a bela orquestração que vem das vozes deles, criando sons, animais, o vento, o ambiente da floresta. No teatro onde nós nos apresentamos em Los Angeles, às vezes uma sirene de polícia passava na rua, e os atores mascaravam o som uivando como lobos. Eu perguntei a plateias se elas ouviram os sons da sirene e elas disseram que não. Os atores estão atentos ao ambiente: se algo acontece na sala, não é ignorado; se um bebê chora ou se alguém da plateia precisa sair para ir ao banheiro, isso se transforma em algo. Nós somos muito conscientes da sala onde estamos nos apresentando.
Então há um esforço forte para manter a plateia imersa em uma atmosfera mágica.
Sim, infelizmente muito do teatro atual ignora o fato de que há uma plateia ali, e isso me parece uma parte tão boa do que o teatro é. Então nós nos apresentamos de uma maneira que envolve a plateia constantemente, nós falamos com outros atores através da plateia, nós procuramos os seus olhos e a sua emoção para que alimente a nossa emoção, é uma experiência emotiva comunal.
E dessa forma você não está fazendo algumas coisas diferentemente de Shakespeare?
Não, eu acho que ele foi apropriado pela alta cultura. O Shakespeare sempre foi feito para as pessoas comuns, os trabalhadores. Nunca para reis e rainhas. Então o conteúdo da peça sempre foi voltado para o entretenimento. Todas as comédias dele tem um bêbado ou um palhaço, um elemento bufônico.
A peça não tem cenário, mas tem figurinos e música tribais. Você poderia explicar essas escolhas?
Bem, eu gosto dessa descrição, não era a intenção, mas tribal não é uma má palavra. Porque é uma conexão entre performer e música e ritmo. Na época de Shakespeare, a floresta não era como nós a conhecemos hoje, era algo perigoso, misterioso. Ainda acreditava-se em druidas e criaturas mágicas, fadas invisíveis. Havia a crença de que algo na floresta não podia ser explicado pela ciência e isso faz parte da nossa abordagem. Nós queríamos criar algo que fosse um pouco perturbador para quem mora na cidade, algo que desse o pressentimento de que você foi transportado para um lugar mágico. Aqueles que são mais sensíveis sentem isso a toda hora na natureza, que há algo inexplicável, algo rítmico e mágico na natureza que está além da descrição normal ou lógica, a extensão disso é que quando alguém toma alucinógenos ou cogumelos, a natureza se torna um ambiente vibrante e envolvente.
E você teve essa experiência?
Ahm... é claro que eu tive (risos).
Muitos grupos de teatro no Brasil tem problemas financeiros e precisam do suporte do governo. Há alguns anos a The Actors' Gang teve dificuldades financeiras por causa da crise econômica nos EUA. Como vocês superaram essa situação?
Infelizmente, nos EUA não temos muito apoio do governo para a arte, e cabe a doadores privados manter uma organização. Sofremos com má administração há três anos, o que nos deixou diante de uma catástrofe financeira. Fizemos mudanças na gerência, e eu disse à companhia que realmente precisávamos que todos pensassem em maneiras criativas para arrecadar dinheiro. Alguns membros não estavam à altura do desafio; outros, sim. Quando saímos da crise, eu me reuni com as 14 pessoas que mais tinham participado e disse: "Quero fazer uma peça com vocês", e foi assim que Sonho de uma Noite de Verão começou.
E esse contexto moldou a estética da peça.
Tudo adveio dos problemas financeiros (risos). O elenco é as pessoas que compareceram para salvar a companhia. Não há cenário porque não tínhamos dinheiro, e francamente isso era algo que eu queria. Tudo que estou fazendo agora está voltado para turnês: nós podemos colocar essa produção em 14 malas. Não precisamos de caminhões e vários assistentes na equipe. É só empacotar tudo nas 14 malas, entrar em um avião e fazer o mesmo em todos os lugares do mundo.
A superação dessas dificuldades e levar a peça para outros países chega a dar um gosto de vitória para vocês?
Onde eu moro, em Los Angeles, eles chamam isso de karma. É um conceito indiano, mas aqui ele é compreendido e apreciado. Se você coloca energia positiva na sua vida, eventualmente ela voltará para você, e esse é um grande exemplo disso. Eu não diria que é uma vitória porque eu não vejo ninguém derrotado. Eu enxergo como uma grande afirmação do que as pessoas de coração generoso conseguem atingir.