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O estilo exagerado e o vozeirão rouco de Elza Soares estão longe do tom suave com que Lupicínio Rodrigues costumava cantar suas músicas. Mas, para a cantora carioca, o romantismo dos dois é exatamente o mesmo. No palco, Elza interpreta cada verso de Lupi: ri, chora e até grita. Por isso, o nome do show promete emoção: Elza Canta e Chora Lupicínio Rodrigues. As apresentações são terça e quarta-feira, às 21h, no Theatro São Pedro. Restam apenas ingressos para a galeria, a R$ 40.
- Eu choro mesmo, é vergonhoso - conta ela, por telefone, do Rio. - O que eu quero passar é a atitude do Lupicínio, um cara que cantava sem nenhum preconceito sobre os amores e os desamores. O amor é uma coisa absurda, ele machuca você, destrói. É isso que eu queria mostrar: a dor do amor.
Elza, 77 anos, decidiu montar um show para Lupicínio quando se recuperava da terceira cirurgia na coluna e também de uma separação. Desiludida na saúde e no amor, escolheu as canções mais tristes para compor o repertório:
- Quando estou amando, viro uma gueixa, me entrego e esqueço que existo. Até voltar à realidade, já sofri muito. Mas sou igual a mulher de malandro: estou sofrendo e vou buscar músicas que me fazem sofrer mais.
Os novos arranjos que as canções ganharam, no entanto, não são sempre melancólicos. Escritos pelo maestro Eduardo Neves, modernizam as canções combinando sambas e marchinhas com jazz e até rock. Neves também faz parte da banda que acompanha Elza tocando flauta e sax ao lado de Antonio Neves (bateria), Gabriel Menezes (baixo), Gabriel Ballesté (guitarra) e Danilo Andrade (teclado).
O show, que estreou em maio no Rio e em São Paulo, integrou-se às comemorações do centenário de Lupicínio, mas é sobretudo um agradecimento de Elza a Lupi, autor do seu primeiro sucesso: Se Acaso Você Chegasse, faixa confirmada no repertório, assim como os clássicos Esses Moços, Volta e Felicidade, entre outros. Lançada em 1960, a versão jazzística de Elza para o samba surpreendeu ao incorporar o scat, técnica vocal de Louis Armstrong.
Para a cantora, foi o início de uma trajetória com muitos outros hits, entre eles Cadeira Vazia, também de Lupi, e a chance de se mudar do barraco onde vivia com os filhos para uma casa. Em agradecimento, tatuou no próprio corpo uma rosa em memória ao dia em que conheceu o compositor (leia o relato dela abaixo).
No show em Porto Alegre, que tem a direção de Carla Joner, Elza se aproximará ainda mais de Lupi, pois alguns dos objetos pessoais do cantor estarão em cena, como seu chapéu e algumas fotografias emprestadas do acervo do filho do compositor, Lupinho. Além disso, o espetáculo terá cenário, projeções e iluminação inéditos para criar um clima jazzístico aludindo aos anos 1940 e 50. Tudo será filmado pela equipe da produtora Estação Filmes.
O dia em que Elza conheceu o compositor gaúcho
Por Elza Soares
O dia em que conheci Lupi foi vergonhoso. Na época, tinha medo de homem porque casei muito cedo (aos 12 anos). A família não queria que eu saísse de noite porque era um vexame... Mas eu precisava criar meus filhos.
Uma noite, fui cantar na boate, e tinha um cara sentado, todo de branco, com umas rosas belíssimas. Ele ficava me olhando muito. Pensei: "Meu Deus, o que faço com esse homem?". Era aquele olhar bem de safado... Comecei a ignorá-lo, até que ele não resistiu, veio até ao palco e disse "Boa noite".
Com a ignorância que me era peculiar na época, falei um "Boa noite" bem seco. Ele não se abateu: "Trago umas rosas para outra rosa". Eu disse: "Você se enganou, meu nome não é Rosa, e detesto rosas". "Sei que você se chama Elza Soares, e esse sucesso que você está fazendo fui eu quem deu para você". "Que sucesso?". Ele respondeu: "Se Acaso Você Chegasse. Meu nome é Lupicínio Rodrigues". "Senhor Lupicínio, eu adoro rosas! Pelo amor de Deus, quando eu terminar de cantar, quero conversar com o senhor".
Aí, contei a ele que era uma menina viúva, com filhos, que tinha medo de homem. E ele se tornou meu amigo e depois amigo do Mané (Garrincha, com quem foi casada).