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São de arte as duas novas exposições do RS Contemporâneo, mas poderiam ser também de ciências. Ou melhor, sobre como artistas indagam e se apropriam do discurso e da visualidade científica com diferentes intenções estéticas.
Em seu segundo momento na edição deste ano, o projeto do Santander Cultural agora apresenta produções da dupla Ío e de Michel Zózimo, dois nomes que nos últimos anos têm ganhado destaque na cena artística local e projeção fora do Estado. A estreia do quarto ano do RS Contemporâneo foi em março, com Felipe Caldas e Leonardo Remor.
Com inauguração nesta terça-feira (16/6), às 19h, para convidados, as duas novas exposições estão abertas ao público para visitação a partir de quarta-feira (17/6).
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Em "Aporia", Laura Cattani e Munir Klamt apresentam trabalhos recentes que oferecem uma síntese do que eles têm realizado nos últimos anos sob a denominação Ío. Daí a oportunidade de se conhecer uma produção que tem como espécie de gramática - e por isso, uma assinatura - o uso recorrente de materiais como vidro, aço e chocolate.
Em sua maioria escultóricas, essas obras têm forte acento conceitual e são elaboradas seguindo questões de diferentes campos do conhecimento que movem os artistas e com as quais eles estabelecem um livre e experimental processo - intelectual e processual - de associação e dissociação.
Fotos Diego Vara
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Instalados de forma contrastante em relação à arquitetura de época do ambiente do Santander, dois trabalhos de visualidade impactante são "A Extinção é a Norma da Vida (Todos os Meus Sonhos São Violentos" (acima), composto por lâminas de vidros que fazem incisões sobre uma tonelada de sal, e "Amerásia" (abaixo), uma estrutura por onde a dupla fez escorrer mais de 80 quilos de chocolate branco líquido derretido que, ao se estabilizar, deixou acúmulos e rastros em sua forma sólida.
- É uma exposição bastante matérica - diz Munir. - Buscamos ocupar o espaço do Santander, que é difícil porque tem uma arquitetura clássica com muita informação. Nossa primeira intenção era fechar toda a exposição, negando o espaço, mas, incentivados pela curadora (Júlia Rebouças), decidimos tentar enfrentá-lo.
Fotos Diego Vara
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No outro lado da galeria superior, Michel Zózimo também apresenta obras recentes em "Estados Ordinários de Consciência". Em um primeiro olhar, pode parecer uma exposição de museu de ciências naturais. Há um gabinete como mostruário de objetos estranhos, enquanto o que é apresentado nas paredes sugere estar organizado conforme um modo de classificação e ordenação científica.
Reforça isso o conteúdo das imagens, retiradas de livros didáticos e enciclopédias antigas, como é frequente na produção de Zózimo, as quais ele recontextualiza manejando-as por meio de jogos de escalas desproporcionais e, em alguns casos, fazendo sutis interferências com inserções de elementos exteriores. Trata-se de um ensaio visual e conceitual sobre o conhecimento científico defasado e que tira seu efeito estético da estranheza, do mistério e do enigma.
Fotos Diego Vara
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- Esses trabalhos têm relação com os que estão em uma exposição em São Paulo (uma individual do artista na Sé Galeria Jardins) - diz Zózimo, um dos gaúchos que participaram da 9ª Bienal do Mercosul em 2011. - É como se fossem objetos de estudo em um museu de ciências naturais. Mas há neles algo datado, de ficção científica, mas ao mesmo tempo de magia e mística. E as escalas geram estranhezas, sonho e assombros que me interessam - completa o artista, que nesta exposição tem curadoria de Marcio Harum.
Fotos Diego Vara
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"Aporia" e "Princípios do Mundo: Nostalgia" apresentam trabalhos muito diferentes entre si, de artistas que trabalham de modo também diverso. Contudo, as exposições geram alguns entrecruzamentos, como vetores que parecem atravessá-las.
Se na mostra do Ío diferentes campos do saber científico aparecem em obras criadas no embate dos fenômenos físicos e das leis da natureza que, ao fim, incidem como força invisível, na de Michel Zózimo a ciência está em trabalhos que recontextualizam os discursos e a visualidade científica e que, ao fim, tornam-se pequenas peças de ficção.
No movimento dos artistas em buscar saberes que estão para além dos forçosos domínios do campo da arte, é como se as coisas e as ideias fossem colocadas em estudo, por procedimentos estéticos que fogem às explicações exatas de uma ciência dura, mas que encontram vigor justamente no que escapa e não se apreende.
"Aporia" e "Estados Ordinários de Consciência"
> Abertura nesta terça-feira (17/6), às 19h, para convidados.
> Santander Cultural (Praça da Alfândega, s/nº), em Porto Alegre, fone (51) 3287-5500.
> Visitação a partir de quarta-feira (18/6), de terça a sábado, das 10h às 19h, domingo e feriado, das 13h às 19h. Até 26 de julho. Gratuito.