
Em visita a São Paulo no mês de novembro para divulgar Os Oito Odiados, que estreia no país no dia 8 de janeiro, Quentin Tarantino conversou com Zero Hora. Confira trechos da entrevista.
Você já ganhou dois Oscar de melhor roteiro. Acredita que Os Oito Odiados vai lhe trazer agora um prêmio de direção?
(Longo suspiro) Não sei. Seria legal se acontecesse. Se eu pudesse escolher, seria melhor. Mas, se eu ganhar o terceiro Oscar de roteiro original, empato com Woody Allen, que é a pessoa que mais ganhou nessa categoria. Então, tenho que empatar com ele (risos).
Você dirige novamente Samuel L. Jackson, agora em um papel central. Como foi o processo de construção do personagem dele?
Nunca falo com Samuel como um roteirista, dizendo para ele detalhes das falas e passando material. Francamente, não é difícil escrever para Sam, o difícil é não escrever para Sam. Sei que meus diálogos funcionam bem na voz dele. Eu me lembro que, em certo momento do roteiro de Kill Bill, pensei: "Ok, Bill (personagem vivido pelo ator David Carradine) está soando demais como Samuel L. Jackson". Levei um tempo reescrevendo para tirar Samuel L. Jackson de Bill. Em Os Oito Odiados, fiz algo como "Samuel L. Jackson encontra Lee Van Cleef (ator de spaghetti westerns)".
Como você equilibrou no filme as cenas rodadas em grandes paisagens abertas com aquelas passadas dentro do galpão, em um espaço confinado?
Muita gente achou bacana eu filmar em 70 mm, achou muito bonito. Mas qual é o objetivo disso? Não acho que o grande formato sirva apenas para filmar amplos desertos ou lindos cenários. Acho que se ganha muito filmando desse jeito em interiores. Quando você filma um close de um rosto em scope (sistema em que a imagem fica bem mais larga na tela do que o usual), a cena fica ainda mais intimista. O efeito disso neste meu filme depende muito de onde você se senta no cinema. Se você se senta da metade para trás, vai observar como uma pintura, como a cena está composta, o quadro geral. Mas, se você se senta mais na frente, você está dentro da cena, dentro do filme. Essa história funcionaria muito bem no palco de um teatro, é muito dinâmica e divertida. Mas eu não gostaria de pular a parte em que lido com a neve de verdade no filme. Quis tirar vantagem disso: era importante ter momentos em que você sai de dentro do galpão e vê os cavalos serem guardados no celeiro, na nevasca. Isso mostra o cenário ao redor e que ninguém poderia sair daquele lugar por vontade própria.
Você se senta em qual parte do cinema para ver um filme?
Bem, quando vou assistir como um espectador comum, sento-me na terceira fila. Foi assim enquanto filmávamos, toda quarta-feira assistia ao que tínhamos rodado até então. Já quando o filme está pronto, sento-me no fundo porque quero ver mais o público do que o filme. Quero ver como a plateia reage.
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Por que você deu tanto destaque à questão da Guerra Civil Americana em Os Oito Odiados?
É um dos assuntos mais importantes dos Estados Unidos, nós crescemos ouvindo sobre isso. Também é um assunto importante nesse gênero de filme. No caso de Django Livre, trato disso um par de anos antes da Guerra Civil. Agora, eu lido com o pós-Guerra Civil. No roteiro, eu escrevi que a história se passa seis, oito ou 10 anos depois do conflito. No filme, você vê que a Guerra Civil foi quase como um apocalipse. Há um clima pós-apocalíptico no filme: a neve interminável, as pessoas naquele galpão como se fossem sobreviventes vindos de uma sociedade destruída e culpando uns aos outros pelo apocalipse, quando, na verdade, a Guerra Civil é o próprio apocalipse.
O roteiro original de Os Oito Odiados vazou para o público antes da filmagem. O que mudou no filme entre aquela versão e a que vemos na tela?
Muita coisa. O capítulo final é muito diferente. Mas eu não fiz as mudanças porque o roteiro vazou. Diferentemente dos meus roteiros anteriores, eu quis ficar mais tempo envolvido nesse. Me impus escrever três versões antes de dar por encerrado o trabalho. Na primeira versão, por exemplo, a carta de Lincoln só aparecia no começo, sendo lida na diligência. Eu sabia desde o começo que isso não ficaria desse jeito, mas não estava certo quanto às minhas decisões. Por isso, reescrevi mais duas vezes.
Há algo que o tenha deixado descontente no resultado final de Os Oito Odiados?
Estou realmente muito feliz com o filme. Enquanto estava escrevendo, senti que possivelmente seria meu melhor roteiro. Não sei se é meu melhor filme, precisaria ver mais algumas vezes e deixar passar alguns anos para julgá-lo melhor. Mas é o filme em que melhor manuseei meu próprio material. Há uma maturidade, tanto no filme quanto na maneira como ataco esse material. Acho que consegui equilibrar o primeiro plano da ação com o pano de fundo e os personagens secundários. Quando eu vi o filme pela primeira vez com as cores e a montagem definitivas e a trilha do Ennio Morricone, foi muito especial para mim.