
A morte de Flávio Basso em 21 de dezembro deixou o Rio Grande do Sul órfão de uma das mentes mais criativas e intensas de sua história musical. Dono de uma carreira que ultrapassa os 30 anos e trafega entre o rock adolescente e a bossa nova, passando pela psicodelia e pelo tropicalismo, o músico – que entra para a história como Júpiter Maçã ou Apple – lançou cinco discos em sua carreira solo. Antes, havia gravado dois álbuns com Os Cascavelletes e alguns singles com o TNT – ele saiu da banda antes da estreia em disco.
Ainda assim, tudo indica que Júpiter tenha mais músicas guardadas nas gavetas de estúdios de Porto Alegre e São Paulo do que nos trabalhos que lançou: há pelo menos um disco acústico, outro ao vivo e dois álbuns de inéditas, além de sobras de gravações e composições gravadas com artistas como Rodrigo Pilla e Luis Henrique Tchê Gomes. ZH teve acesso a trechos de seis gravações inéditas, que você pode escutar aqui.
Músicos que conviveram com Júpiter em momentos variados de sua carreira dizem que o fluxo criativo do artista era contínuo e profícuo. O guitarrista Ray Z, que tocou com ele em pelo menos duas oportunidades, no início dos anos 2000 e entre 2011 e 2012, conta que ele costumava aparecer de surpresa com composições novas. O músico Lucas Hanke, produtor à frente do estúdio Marquise 51 e amigo de Júpiter nos últimos anos, garante que há material a ser descoberto:
– Cara, vai ser tipo o que rolou com o Jimi Hendrix, que morreu há 45 anos e ainda tem músicas inéditas – projeta o músico, conhecido como Cabelo. – O Júpiter era muito ativo e ligado, estava sempre criando, sempre com várias ideias.
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Os últimos lançamentos de Júpiter em vida foram as músicas They're All Beatniks e Constantine's Empire – ambas apresentadas como single em 2015. A ideia original, porém, era lançá-las em um disco folk que já tinha título – Exiled on My Own –, junto a outras 12 músicas gravadas, que estão guardadas nos arquivos do estúdio Marquise 51. Cabelo diz preferir esperar e conversar com a família do músico antes de lançar qualquer material. "A morte do Flávio foi um grande baque para todos e, no momento, estamos preocupados em digerir tudo isso", informa um comunicado enviado a ZH pela produtora.
Há, no mesmo estúdio, pelo menos mais uma obra pronta para ser lançada: um espetáculo acústico chamado They're All Beatniks, com sucessos da carreira do cantor e novas criações, gravado em áudio e vídeo no Teatro Bruno Kiefer, em Porto Alegre, em 2015. Desse show, pode ser visto no YouTube um vídeo da canção Beatle George.
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Júpiter tinha um intenso ritmo criativo, seja em ensaios ou até mesmo em shows. Conforme relatos de músicos que saíram em turnê com ele, muitas faixas de seus discos foram criadas em passagens de som antes das apresentações.
– Quando a gente começou a tocar junto, em 2000, passamos a ensaiar direto. Todos os dias, ele aparecia com três músicas novas. Era uma fonte criativa inacreditável, surpreendente – diz Ray Z.
Sob posse do músico, há mais um disco inédito gravado, no qual o baixista é o ex-VJ da MTV Thunderbird, os teclados são de Astronauta Pinguim e as guitarras, do próprio Júpiter "tocando demais", segundo Ray Z.
Não há previsão se todo esse material será mantido guardado ou lançado futuramente – questões envolvendo a família do músico e possíveis direitos autorais ainda devem ser discutidas. O certo é que o baú de gravações deixado por Júpiter confirma que sua morte, aos 47 anos, foi precoce e interrompeu o fluxo criativo de um artista inquieto.
– Minha impressão é de que a arte não cabia dentro do Flávio – resume Tchê Gomes, guitarrista do TNT, que também tem músicas gravadas com Júpiter que estão guardadas.