
Na noite de 6 de setembro, o bar Opinião estava quase no seu limite de ocupação. Do palco, os irmãos Gelpi enxergavam quase 1,5 mil pessoas cantando em uníssono as músicas do seu disco de estreia, Blood ties – que estava sendo lançado na ocasião. Nem parecia que, há pouco mais de três anos, eles tocavam covers enxergando apenas a webcam do próprio quarto.
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A história da banda Gelpi, fundada pelos irmãos Bolívar, 25 anos, Pedro, 23, e Laura Gelpi, 19, é também a história de como a música funciona no século 21. Primeiro, a ausência de amarras musicais: começou com os irmãos mais velhos tocando surf music e hardcore no colégio, virou um projeto acústico de covers e consolidou-se na celebração do folk com pitadas de blues, rock'n'roll e country.
Depois, claro, o berço digital. Em meados de 2013, Bolívar e Pedro fundaram a Acústico Gelpi, um projeto para, nas palavras do primeiro, "fazer vídeos tocando músicas de outras pessoas para botar no YouTube". Não demorou para serem chamados para tocar em lugares de verdade para gente de verdade.
Essa gente acabou trazendo mais gente – e de repente os Gelpi (agora com o acréscimo de Laura) eram parte de um coletivo de bandas como só poderia existir em uma época na qual as divisões por gosto e estilo quase não existem mais. Seu folk passou, então, a ser ouvido por uma audiência que compartilhava com igual entusiasmo o samba, o rock, o reggae e o pop – e foi se consolidando em festivais como o Caminhos Livres, que em 2014 reuniu cerca de 6 mil pessoas em Porto Alegre.
– Nosso público vem por intermédio da junção de várias bandas que compõem esse universo jovem de Porto Alegre – explica Bolívar. – Cada vez menos as pessoas estão restritas aos que gostam, então, em uma mesma festa, havia a gente tocando folk, uma banda de reggae, uma de surf music e um cover de Charlie Brown Jr.
O alto astral da Gelpi levou a banda a circular por bares do litoral – em especial na Praia do Rosa, em Santa Catarina – e chegou ao Rio, onde tocaram em um festival de surfe e skate. Em pouco tempo, passaram para espaços mais disputados, como o Opinião. Foi lá que, no começo deste ano, os irmãos viram que a coisa era séria.
– Em abril, na festa Fellas, juntamos quase 2 mil pessoas. Daí eu vi que não tinha mais jeito, que a Gelpi não era mais um passatempo – lembra Bolívar.
As boas vibrações aceleraram o processo de nascimento de Blood ties, que acrescentou ao grupo os músicos Erik Feller (baixo), André Menna (bateria), Francisco Gonzaga (bandolim e violino), Rodrigo Scopel (harmônica) e Fabiano Fava (trompete). Produzido por Andrez Machado, o álbum foi lançado no começo de setembro e recebeu atenção especial do Spotify. No serviço de streaming, o disco ganhou destaque na área de lançamentos semanais e entrou em playlists específicas para grandes apostas – como Novo Som, Brasil 360 e Música do Dia.
O folk de produção esmerada e sotaque carregado, que cruza influências de blues, rock e country, acabou – com alguma surpresa – aparecendo também na cobiçada lista Viral 50 do Spotify, normalmente dominada por sertanejo, funk e hits do pop internacional. Logo, não foi surpresa terem levado quase 1,5 mil pessoas ao show de lançamento de Blood ties. Uma noite que confirmou o poder de fogo da Gelpi e seu alcance – além de sinalizar uma janela de oportunidade.
– Vejo o folk como uma brecha de mercado, um estilo que conquista muita gente não só aqui, mas no mundo inteiro – diz Bolívar. – Mas não é algo que nos prende. Temos muito mais a oferecer e estamos só começando.