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No final de março, fui para o Rio de Janeiro a convite da organização do Rock in Rio. Chegando lá, encontro repórteres de jornais de outros Estados. O objetivo era fortalecer a imagem do festival para além do Rio. Em determinado momento da viagem, um dos colegas vira pra mim e dá a morta:
– Ih, rapaz, que rock o que. O negócio é Carnaval.
Enrugo a testa sinalizando interesse. Ele continua, dizendo que, na Capital do seu Estado, o reinado de Momo é indiscutível. O Carnaval, ele me conta, tomou de assalto o imaginário popular, extrapolando calendário e locais tradicionais.
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Concordo com o colega. Nunca vi tanta gente interessada em Carnaval como nos últimos anos. Este ano, em particular, foi chocante: amigos das antigas, gente que parecia dormir de coturno e coletinho cheio de patches do Agnostic Front e Bad Religion, vestiram bermuda tactel e foram pular atrás de trio elétrico ou coisa que o valha. Dedinho pra cima e tudo. É sério.
Não é preciso ir muito longe, basta olhar para Porto Alegre. Dezenas de blocos, de todos os estilos, espalharam-se pela cidade reunindo milhares de pessoas nos últimos dois meses. E há folia programada até meados de maio.
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Bem, vocês conhecem a Império da Lã. Combo anárquico comandado pelo culinarista pop Carlinhos Carneiro. A banda já fez (faz) de tudo. Incluindo Carnaval, com um bloco próprio. Este ano, quando completa dez anos de existência, a Império começou a investir em composições próprias – e para onde ela olhou ao lançar os dois primeiros singles, os impagáveis Banho de Cerveja e #Monticoisanobolso?
– A Império é uma banda livre, mas fizemos tantos shows e ensaios de Carnaval nos últimos meses que acabaram surgindo muitas músicas carnavalescas _ comenta Carlinhos. – Mesmo quando apresentamos nosso repertório de rock, incluímos elas, porque o pessoal adora.
O band leader acredita que essa fixação se dá porque o Carnaval resolve algumas angústias do nosso tempo, como ocupação de espaços públicos, necessidade de demonstrar empatia e, bom, conhecer e se misturar com outras pessoas. De quebra, acaba sendo resposta a certa onda de truculência e conservadorismo que vem crescendo. Daí caem por terra divisões de qualquer tipo. Eu acho ótimo. Que continue assim. Que tenhamos Carnaval o ano inteiro.
LANÇAMENTOS
THE FAIR FIELD
Future Islands
Sabe aquelas bandas que, sem nenhuma razão aparente, colam na sua alma e não desgrudam mais? Pois aconteceu comigo com a Future Islands. Formada em 2006 nos EUA, a FI é uma banda de tiozões que toca música de tiozão – um synthpop oitentista na linha do New Order, mas com um verniz mais modernoso. Apesar da predominância de sintetizadores, o trio constrói suas canções ao redor de instrumentos, especialmente o baixo de William Cashion, o que faz de The Fair Fields um disco com pegada dançante, mas também soturno, como um Bauhaus mais iluminado (eu não disse feliz, ok?). O álbum é bom de ouvir também pelo vocal de Samuel T. Herring, profundo e cortante como um profeta do fim do mundo, cantando basicamente sobre a difícil arte de se relacionar com outro ser humano. Tente não morrer um pouquinho por dentro com Shadows, que tem a participação da musa Debbie Harry nos vocais. Lindo de tão triste. Pop, 4AD, 12 faixas, disponível para a audição nos serviços de streaming.
FEEEXTA
Camarones Orquestra Guitarrística
Poderosíssimo quarteto instrumental do Rio Grande do Norte, a Camarones faz a alegria da casa há muito tempo. Em seu novo disco, Ana Morena (baixo), Anderson Foca (guitarra e synths), Yves Fernandes (bateria) e Alexandre Capilé (guitarra) não decepcionam, botando todo mundo para dançar com uma mistura bem azeitada de surf music, rockabilly e ska. Mas rola mais misturas nesse inferninho – Ted Sabatina e A Música Invisível Continua têm uma pegada mais stoner. Earlyrichard, com participação de Rick Mastria (Dead Fish) e Arnaud Merckling (Dot Legacy) diminui a rotação e investe num dub de fumaça púrpura. Eu destacaria também Discopunk, simples, mas eficaz. Rock, Hearts Bleed Blue, 11 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming.
AUTOMATON
Jamiroquai
Sete anos depois do seu último disco de inéditas, Jay Kay e sua banda estão de volta. O problema é que parece que eles hibernaram e perderam o bonde da história. Antes uma banda apaixonada pela fusão à frio da disco music, funk e jazz, o Jamiroquai parece ter se transformado em um cover de... Daft Punk. E o disco até começa bem, com o balanço seguro de Shake It On, mas depois desbanca para uma repetição de temas pincelados quase sempre por eletronices que nada acrescentam, colocada ali como que para dizer "olha, estamos tentando renovar, veja bem". Mas soa forçado, deslocado. Nas fotos do encarte do CD, Jay Kay olha para seu antigo adereço de cabeça vestindo o atual, modernoso, todo iluminado. É a metáfora perfeita de Automaton: um disco que tenta ser atual, mas que não cessa de olhar para o passado. Alguns (poucos) artistas conseguem essa proeza. Não é o caso do Jamiroquai. De volta à prancheta. Pop, Virgin, 12 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming.