
O procurador federal Renato Moreira viajou sexta-feira ao Rio, por coincidência, no mesmo voo em que a delegação do Santos retornava para casa. Havia um silêncio incomum entre os grupos de jogadores, apesar dos festejáveis 2 a 0 sobre o Grêmio.
Bem perto da poltrona de Moreira, o goleiro Aranha se mostrava abatido. Recém havia registrado na delegacia queixa pelas agressões raciais sofridas na noite anterior na Arena. Moreira, vice-presidente do Grêmio, ele próprio o mais envolvido em soluções internas contra o racismo, não se sentiu com coragem de falar com o goleiro. Estava envergonhado demais.
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Quando o dirigente chegou ao flat onde se hospeda no Rio, o porteiro, que já o conhece, mostrou uma camiseta do Grêmio a um canto da portaria e disse:
- Eu ia pedir um autógrafo, mas desisti. Depois daquilo que aconteceu ontem (sexta-feira), vou deixar para lá.
De novo Moreira ficou sem jeito, e se sentiu um derrotado no combate ao racismo, apesar dos alertas no telão da Arena antes do jogo de quinta-feira, das faixas contra a discriminação puxadas por Zé Roberto e Marcelo Grohe e das campanhas veiculadas pelo clube na tentativa de coibir os gritos de "macacos" e os grunhidos de "hu,hu,hu" da torcida.
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O que fazer? Em julho, seu grupo político, Movimento Grêmio Vencedor (MGV), promoveu um seminário sobre ações concretas do clube contra discriminação. Discutiram a proposta do sociólogo Edilson Nabarro, 60 anos, diretor do Departamento de Programas de Acesso e Permanência e das Ações Afirmativas da Ufrgs, negro e gremista "de família".
Segundo ele, nada adianta ser contra o racismo se o clube não adota regulamento interno com prevenção e punição definidas em estatuto.
- É preciso um protocolo de combate à violência e ao racismo, previsto em estatuto, a responsabilidade é do clube - defende Nabarro, há anos ligado aos movimentos negros do Estado.
Seminário teve 300 convidados e nenhum consenso
O MGV convidou ao seminário os mais de 300 conselheiros e muitos raros apareceram. Apenas o presidente do Conselho, Milton Camargo, esteve presente nos paineis que debateram o documento "Compromisso com a cultura da paz nos estádios e erradicação do racismo e todas as formas de intolerância" - o primeiro ordenamento de ações contra o racismo que se tem notícia já apresentado dentro de um clube brasileiro.
Também o juiz de Direito Marco Aurélio Xavier, o procurador do TJD, Alberto Franco, e representantes do Jecrim e da FGF deram sustância ao encontro, que, apesar de pioneiro, não evoluiu, passados dois meses.
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As propostas são educadoras. Começam pelos objetivos de conscientizar dirigentes, comissão técnica, jogadores e sócios, promover ações humanitárias, abolir os "cânticos com conotação racistas ou de desprezo a outros grupos discriminados", alertar as organizadas sobre "as consequências individuais e coletivas do racismo", estimular seminários contra o violência. Passam pela metodologia de avaliações periódicas, com comissões de relatorias e acompanhamentos de pessoas ligadas ao direitos humanos, OAB, FGF, sindicato dos jogadores e movimento negro.
A ideia, embora discutida no âmbito do Grêmio, é fazer do projeto uma referência ao futebol brasileiro.
- Seria um exemplo aos outros clubes do país, que também sofrem com atos racistas entre as torcidas - propõe Nabarro, que há dois anos lida com o assunto.
Arbitragem precisa de reciclagem
Em 2013, o sociólogo encontrou o presidente Fábio Koff na churrascaria Barranco, em Porto Alegre. Incomodado com os insultos endereçados a jogadores negros no Olímpico e depois na Arena, Nabarro foi conversar com o dirigente:
- Senhor Koff, sou um gremista inconformado com as ofensas racistas que se ouve no estádio.
O presidente ouviu Nabarro e lhe disse que um de seus assessores o procuraria outro dia para promover um encontro à procura de soluções. Até hoje Nabarro aguarda o tal assessor.
A aproximação com Moreira ocorreu mais tarde, porque ambos trabalham na UFRGS.
- Ainda vamos realizar um segundo seminário e, só então, redigiremos um documento definitivo, a ser encaminhado à direção do Grêmio - disse Moreira.
Também a arbitragem nacional precisa se reciclar. No país inteiro não há orientações de como o árbitro deve proceder quando surge manifestações racistas em campo. Na quinta-feira, o juiz goiano Wilson Pereira Sampaio não deu atenção aos alertas do goleiro Aranha, que sofria as ofensas em campo. Numa primeira versão da súmula do jogo, nem registrou as agressões. Somente na sexta-feira pela manhã, depois da repercussão nacional do caso, houve adendo à súmula, com a inclusão do caso.
- Sem regra, o árbitro teme enfrentar o assunto (do racismo). Pode ser prejudicado pelo clube ou por quem comanda a arbitragem - disse Márcio Chagas, ex-árbitro, hoje comentarista, vítima do último caso de repercussão de racismo no futebol.