Marcelo Medeiros está a algumas horas do maior desafio de seus 56 anos de vida: presidir o Inter. Mas não se trata apenas de seguir uma linhagem familiar, de comandar o clube que já teve o seu tio (Marcelo Feijó) e o seu pai (Gilberto Medeiros) como presidentes. Trata-se de algo bem maior: resgatar o orgulho do torcedor, recuperar a imagem da instituição e reconduzi-lo à Primeira Divisão. Medeiros tomará posse às 19h30min de terça-feira. Ao lado do vice de futebol, Roberto Melo, trabalha desde a eleição para refazer o time. Pede ao torcedor seis meses para realinhar as finanças do clube, mas sabe que não terá esse tempo todo para formar uma equipe competitiva. Confira trechos da entrevista.
Como o senhor recebe o clube?
Pela injeção de valores que ocorreram em 2016, surpreende o endividamento do clube reconhecido até mesmo pela atual gestão. O destino e a quitação de dívidas deveriam ter outro cenário, mas não muda nossa determinação de fazer um realinhamento administrativo e financeiro.
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Houve a cogitação de uma nova auditoria nas contas. Será feita?
Vamos descobrir a situação financeira ao longo da jornada. Temos informações importantes e preocupantes. Há um grupo que está fazendo uma radiografia, especialmente na área financeira. Mas isso vai ser uma decisão a ser tomada de forma colegiada, respeitando as vice-presidências nomeadas no dia 3. O clube recebeu muito mais do que os R$ 40 milhões informados. Durante a campanha, nós criticávamos o contexto em que o clube estava inserido e ouvíamos do nosso adversário que o lado de lá, o que não era do futebol, estava maravilhoso, tranquilo e era modelo a ser seguido. Parece que, da campanha para agora, há um abismo. Se eu informo que está tudo quitado, não posso reconhecer depois que valores de imagem, férias e prestadores de serviço estão atrasados.
O senhor assume a gestão na terça-feira com contas a pagar.
É normal, um clube sempre tem contas a pagar e a receber, não se encerra em uma gestão. Nesses últimos dois anos, a adesão ao Profut fez com que o Inter tivesse vantagem econômica de quase R$ 50 milhões. Tivemos, no ano passado, venda de jogadores como Alisson, Aránguiz, Caio e Nilmar, com valores superiores a R$ 40 milhões. Foram feitos empréstimos bancários com instituições financeiras, que passam dos R$ 70 milhões. O Inter recebeu luvas da comercialização do televisionamento até 2024, e já tinha feito outro contrato no ano passado com o Esporte Interativo, que dá R$ 60 milhões. Então, são esses valores que não constavam no exercício do orçamento do clube, receitas extraordinárias. E, depois de todo o discurso do adversário derrotado (Pedro Affatato), veio o reconhecimento de dívidas dessa importância. É isso que estamos...
Surpresos?
Surpreso, eu não estou. Preocupado? Sim. Seria ingenuidade se estivesse surpreso. Eu só esperava um pouco mais de cuidado com as coisas do clube. Hoje estamos vendo que o Inter priorizou coisas que são acessórias, e não prioritárias.
Como assim?
Faculdade do clube, do Inter. Um aparato na área de marketing. Os custos nesta área, por exemplo, quase quadruplicaram do início do ano até agora. O próprio episódio que envolve a Escola Rubra, com a polêmica sobre o cercamento da área pública, não foi discutido no Conselho Deliberativo. Enquanto isso, temos um CT que precisa de obras para ter o futebol com a qualificação que necessita. O Inter não vendeu jogadores, uma receita orçada, mas não executada. Tem receita de bilheteria, televisionamento.
Pedro Affatato disse que buscaram dinheiro em bancos para não prejudicar a próxima gestão.
Isso é um conceito de administração. Óbvio que terei de pagar. O dinheiro não cai do céu.
Tem receita para fazer essa remontagem no grupo?
Eu acho que o grupo precisa de uma readequação. Não era um time para ter o desempenho que teve. Acho que nós temos jogadores que, com sequência, treinamento, ciência, motivação e comprometimento, podem ter rendimento bem melhor. Parece que, com questões pontuais e algumas mudanças na fotografia do grupo, podemos dar um início de temporada. Temos uma jornada longa, com Primeira Liga, Gauchão, Copa do Brasil. Nossa meta é voltar à elite do futebol.
Ganhar a Série B é obrigação?
Eu quero fazer o Inter voltar à Série A. De cabeça em pé, fazendo uma campanha de honrar sua história. Os times grandes passam por dificuldades como a que vivemos, reencontram-se e voltam mais fortes.
O Inter terá possibilidade de manter D'Alessandro, Alex, Anderson e, se contratado, Taison?
Vamos fazer força para qualificar o grupo da melhor maneira. D'Alessandro está de volta. Anderson e Alex têm vínculos com clube. Taison é um sonho, mas é prematuro fazer qualquer ponderação neste sentido. Por enquanto, os reforços são D'Alessandro, que volta de empréstimo, e Roberson, que tem a confiança do treinador e fez uma grande temporada em 2016 no Juventude.
Mas a ideia é ficar com o Alex e Anderson?
A ideia é eles se apresentarem no dia 11 (de janeiro) e ver se podem dar o rendimento de uma maneira mais competitiva do que apresentaram em 2016.
Tem como manter o mesmo patamar da folha de 2016?
Tem. Não teremos queda de receita (por ter caído à Série B), perda. Por isso, é importante a recuperação, a volta à elite neste ano. Talvez teremos que fazer mudanças no quadro de funcionários. Dentro de uma caminhada de seis meses, poderemos ter outro cenário, mais tranquilo.
A ideia é ter um time mais forte no segundo semestre?
Óbvio que a janela do meio do ano é mais intensa, mais espaçosa, mais longa. Mas estamos sempre atentos ao mercado.
D'Alessandro voltou como grande referência. A ideia é trazer alguém para revezamento com ele...
Hoje, temos quatro jogadores que jogam pela meia, que são canhotos. Teve épocas que não tínhamos. O D'Ale, em 2012, sofreu com lesões musculares. Em 2013, que passamos o ano inteiro longe de Porto Alegre, foi um dos que mais jogou, um dos melhores anos dele. Se fala muito que o D'Alessandro não viaja. Lembro de um jogo em Rio Branco (no Acre) em que ele foi caçado logo nos minutos iniciais, e o juiz não fez nada. O D'Alessandro não se amedronta. Chegou a ter uns probleminhas esse ano, no River. Mas levantou taças, se recuperou e é isso que nós queremos que ele faça no Inter.
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E as suas primeiras impressões do Antônio Carlos Zago.
Comando, liderança. Temos o hábito, Roberto (Melo, vice de futebol), Alexandre Chaves Barcellos (2º vice-presidente eleito) e eu, de vermos jogos juntos. Sempre gostamos do equilíbrio, do crescimento, da postura do time do Antônio Carlos, dos estudos que ele sempre fez questão de dizer e de valorizar. É importante quando a pessoa valoriza que estudar é bom. Se eu quero que a minha filha estude, é porque eu julgo ser um pilar importante numa formação. O Antônio Carlos surpreendeu já no Gauchão. Levou o Juventude da C para a B, fez uma Copa do Brasil que chamou a atenção de todo mundo. São momentos que se cruzaram e, se Deus quiser, o Inter vai ser importante nessa caminhada dele como treinador.
Que tipo de time pode-se esperar do Inter em 2017?
Equilibrado, que defende junto, ataca junto. Tem de ter saída rápida. Óbvio que precisa de atleta para isso, mas acho que um dos problemas que tivemos neste ano foi a questão das características dos jogadores, muitos tinham as mesmas. Teremos o acréscimo da base. O Inter sempre teve ali um recurso importante para dar suporte ao grupo. Acho que a grande diferença é que o grupo não se abata, tenha capacidade de reação, indignação e possa reverter momentos adversos na partida.
O que muda nas funções de vice de futebol para presidente?
Muda bastante. A responsabilidade, a preocupação, a atenção a todas as áreas do clube. E o aumento da cobrança na rua, claro. Quando tu ganhas uma eleição com o percentual que tivemos, é óbvio que se deu em parte pelo trabalho como vice de futebol (em 2013/2014). Mas obviamente foi um voto de protesto, contrariedade aos gestores do clube. Temos humildade para reconhecer que tínhamos o voto do não. Aumenta a responsabilidade.
Qual a diferença da eleição em 2014 para a de agora?
O eleitor cria, às vezes, um imaginário que vai votar em um salvador, e todas as conquistas serão, em um passe de mágica, realizadas novamente. Em 2014, não tivemos espaço para fazer campanha. Tínhamos o compromisso de levar o Inter à Libertadores e conseguimos. Do outro lado, havia o adversário com história e campanha. Adotou o sistema de sair na mídia, alavancando um futuro em cima de nome de treinadores. Era natural que haveria impacto no nome, era um ex-presidente. Eu não tinha o mesmo currículo que o Vitorio Piffero, mas chegamos a 6 mil votos em 2014. Na época, nenhum presidente de clube brasileiro foi eleito com isso, à exceção do doutor Romildo (Bolzan, no Grêmio). Houve uma série de erros, discurso fora de contexto, arrogante, decisões equivocadas. Talvez a mais emblemática seja a demissão do Diego Aguirre, às vésperas de um Gre-Nal, adotando atitudes como criação de fato novo, metodologias ultrapassadas e folclóricas no futebol. Não se tem ciência, convicção. O uso da palavra planejamento é dado até como deboche. A gente vê a convicção do dirigente na derrota, porque ele banca, defende. O dirigente sem convicção transfere a responsabilidade. Durante esses dois anos, vimos isso. O primeiro culpado era a direção antiga, depois a altitude da Bolívia, a imprensa.
A ideia é se fechar no Vila Ventura, longe da imprensa?
Tem de haver uma compreensão sobre a pré-temporada. Em razão da tragédia, a consternação que transcendeu Chapecó acarretou uma mudança grande. Para que a gente fosse à Florida Cup, por exemplo, teríamos de comprar dias de férias de jogadores, além das despesas. O sindicato não concordou e fizemos uma solicitação aos organizadores da competição, que entenderam. A pré-temporada será dividida em quatro semanas, uma delas no Vila Ventura, no "confinamento". Mais por uma questão de logística, privacidade, nada contra a imprensa.
O Inter foi muito criticado em Chapecó, após a tragédia. A renovação do Alan Ruschel passa pela reconstrução de imagem do clube?
Não. Tem a ver com uma ação direta e objetiva. O clube tinha obrigação de estender a mão para esse atleta. Ele é nosso, e, no momento que ele renasce, o Inter tinha que fazer esse gesto, para que ele contasse com a gente em uma recuperação mais tranquila e rápida. Nós trouxemos o Alan Ruschel. Temos confiança que ele vai voltar a jogar bola. Quando ele estava se recuperando, na UTI, procuramos o representante dele. Mas tinha uma condição: o assunto não podia sair na mídia. Tínhamos uma eleição e não queria que isso tivesse outro entendimento. Foi isso que aconteceu. Fizemos reservado, para que o Alan soubesse que poderia contar com o Inter. E, nessa hora, era um dever do clube.
Existem planos para o CT de Guaíba e a área do Beira-Rio?
Fomos surpreendidos com um projeto urbanístico, quando as chapas fizeram suas apresentações no Conselho Deliberativo (CD). Tivemos acesso ao projeto, está bonito. Mas temos de fazer todos os estudos de viabilidade. O CT de Guaíba é prioridade em relação à área do Beira-Rio, mas é opinião minha e terá de passar pelo CD.
O segundo semestre vai ser difícil, nessa "diminuição" do clube por jogar a Série B?
Eu acho que o dia 4 de janeiro já não vai ser fácil. Temos uma expressão que usamos no futebol: a nossa vida complica quando os reservas ganham dos titulares. Tomamos uma pancada forte, vamos levantar e isso não vai nos diminuir. Se os reservas ganharem dos titulares, o pau come, e a crítica já aparece, faz parte.
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