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O sol estava alto e forte na tarde de 13 de julho, os raios de luz eram refletidos pelo espelho d'água da Lagoa de Jacarepaguá e ofuscavam a visão, mas os repórteres a bordo da pequena embarcação conduzida pelo biólogo Mario Moscatelli, em visita a lagoas, perceberam a aproximação da patrulha do Batalhão Florestal. Quatro homens em trajes militares vigiavam a movimentação naquela bacia, de onde é possível ficar frente a frente com o Parque Olímpico, na Barra da Tijuca. A aproximação com as arenas por água não é permitida. O parque era avistado apenas ao longe, emoldurado pelo azul do céu. São as restrições de segurança da Olimpíada.
Um dia antes, pela manhã, na tradicional Avenida Atlântica, em Copacabana, agentes da Polícia Rodoviária Federal, responsáveis pela segurança somente em estradas, estavam de prontidão no badalado calçadão.
Esse cenário ganha reforços conforme os Jogos se aproximam. Há esforço concentrado para evitar a criminalidade e o terrorismo – na quinta-feira, 10 foram presos suspeitos de integrarem um grupo ligado ao Estado Islâmico. Serão mais de 70 mil profissionais em atuação, sendo 38 mil das Forças Armadas. Oitenta aeronaves da Força Aérea vasculharão o céu, com autorização para abater.
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Apesar dos reforços, a cidade chega à Olimpíada engolfada pelo pior contexto de segurança pública dos últimos anos. Os indicadores dispararam: entre janeiro e abril, os homicídios cresceram 15,41% e os roubos, 20,94%, em comparação com o mesmo período de 2015. São 21 roubos por hora e 14 assassinatos por dia.
Episódios recentes expuseram fragilidades ao mundo. No início de julho, policiais civis foram ao aeroporto Tom Jobim para protestar contra atraso de salários e más condições de trabalho. Para constrangimento nacional, estenderam uma faixa que dizia "Welcome to hell" (Bem-vindo ao inferno). O arremate era devastador: "Quem vem ao Rio não está seguro".
Um policial militar que atuava na segurança do prefeito Eduardo Paes foi morto a tiros em tentativa de assalto, e 15 criminosos armados invadiram o Hospital Municipal Souza Aguiar, no centro da cidade, para resgatar com sucesso o traficante Fat Family. A ordem pública no Rio, problemática há décadas, voltou a dar sinais de agravamento. Foi nesse contexto de insegurança que Paes afirmou que o Estado faz "trabalho terrível".
– Com o acerto de salários, o clima melhorou um pouco, mas tivemos a retomada das brigas de facções e a derrocada das UPPs – avalia Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Bope e autor do livro Elite da Tropa.
O especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares considera precoce apontar causas definitivas, mas indica pistas, a maioria delas vinculada aos efeitos da crise econômica, como frustração de expectativas, retração de conquistas e desemprego.
Derrocada do projeto de UPPs deixa comunidades vulneráveis
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Dentro do cenário favorável de 2009, quando o Rio foi escolhido para sediar a Olimpíada, um dos destaques do quadro pintado com tintas de otimismo era o sucesso das UPPs. Houve sentimento patriótico com a tomada pelo Estado de favelas antes controladas por traficantes, com a instalação de unidades pacificadoras, destaques nacional e internacional. Uma política que chegava para revolucionar as grandes cidades. Mas, assim como na economia e na política, o momento mágico do Rio também se esvaiu neste campo.
– Sem dúvida, houve avanço no início, com redução de homicídios e de outras formas de criminalidade. A sustentabilidade se mostrou inviável. Logo começaram a pipocar cenas tradicionais de negociação com o tráfico, chantagem, acordos entre policiais e criminosos. Isso começou a apontar para a decrepitude das UPPs. Depois, o caso Amarildo (morto por policiais em 2013 na UPP da Rocinha) foi praticamente a sentença de morte para essa solução – avalia o especialista Luiz Eduardo Soares.
Para ele, as unidades não foram instaladas nas comunidades realmente mais violentas, mas sim no corredor olímpico e dos megaeventos. Outra consequência foi a migração do crime, com traficantes se instalando em regiões não ocupadas pela polícia. Um dos principais reveses, aponta, é o despreparo dos agentes para lidar com a elogiada ideia da prevenção ao crime trazida pelo conceito da UPP. A ação baseada somente na presença da polícia, desacompanhada de investimentos sociais e de urbanização, também contribuiu para o fracasso.
– A política de pacificação precisa de todos os segmentos do governo, com assistência social, coleta de lixo, escola. E o policial cuidaria da segurança. Mas, hoje, ele faz tudo, se torna síndico, assistente social, mediador de conflitos. A carga horária é extenuante, o local de trabalho é hostil e os profissionais convivem até com falta d'água – diz a promotora Gláucia Santana, coordenadora do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público do Rio.
A derrocada do projeto, afirma, ainda é fruto da expansão desordenada de instalações de UPPs nas eleições de 2010 e 2014. Em julho de 2015, Gláucia conduziu um termo de ajustamento de conduta com o governo estadual.
– A gente ainda acredita na política, precisa apenas adequar – diz.
A criminalidade galopante não ofusca os encantos do Rio. Pelo menos nas áreas mais nobres e procuradas por turistas, é assim. A praia e o calçadão pulsam dia e noite. O ambiente cosmopolita é flagrante com a quantidade de gringos que falam inglês por ali. Locais ou estrangeiros, alguns simplesmente se acomodam nos quiosques para conversar, curtir a música, tomar cerveja, água de coco, degustar camarões. Outros sentam solitários, em pontos reservados da orla, e ouvem o som do mar. É comum ter um giroflex da polícia no raio de visão.
Efetivo na rua
-21 mil PMs do Rio
-5,6 mil policiais civis do Rio
-440 bombeiros do Rio
-9.613 agentes da Força Nacional de Segurança
-38 mil militares das Forças Armadas
-Entre policiais militares e civis, o efetivo normal do Rio, para atuação em todo o Estado, é de 55 mil profissionais na ativa
-Em 2016, entre janeiro e abril, aconteceram 1.715 homicídios e 63.623 roubos no Rio. Neste ano, 61 policiais já morreram em confrontos com criminosos ou em emboscadas