
Nem o dólar em cotações estratosféricas traz alento à indústria gaúcha. Mesmo que o câmbio dê impulso à exportação e ajude a retomar parte do espaço perdido para os importados, o possível aumento de carga tributária e a combinação das crises econômica e política no país se sobrepõem e colocam areia na engrenagem das fábricas.
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Sem identificar o ponto de virada da crise, o setor tende a continuar perdendo terreno na geração de riqueza no Estado em relação a outras atividades. Em uma década, entre 2003 e 2012, a indústria de transformação (que exclui construção civil e setor extrativo) perdeu mais de um quinto de seu peso na economia gaúcha. Tinha fatia de 22,2% e, uma década depois caiu para 17,46% - 21,4% menos.
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A participação é calculada pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) em relação ao valor adicionado bruto (VAB), que nada mais é do que o Produto Interno Bruto (PIB) menos impostos. As informações de 2013, com três anos anteriores, serão revisadas e divulgadas em novembro. De qualquer forma, o desempenho da indústria nos últimos dois anos também foi inferior à média do Estado, o que indica perda ainda maior de terreno.
- Pior do que a realidade, só as expectativas - lamenta o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Heitor José Müller.
Volume de produção é o mesmo de 2006
Para a entidade, outros indicadores que costumam definir o processo de desindustrialização confirmam a tendência. O volume de produção das fábricas gaúchas, declinante desde meados de 2013, voltou ao nível de 2006. O consumo de importados, que em 2005 era 12,3% do total no Estado, chegou a 21,2% ano passado. Com isso, o setor passou a deter só 22,8% dos empregos no Rio Grande Sul. Uma década antes, o índice chegava a 26,7%.
Em Caxias do Sul, um dos principais polos industriais, quem produz equipamento metalmecânico conseguiu exportar 18% a mais de janeiro a julho em relação a igual período de 2014. São R$ 1,24 bilhão em negócios mas não compensam a queda do mercado interno. Nos sete primeiros meses de 2015, as fábricas do segmento na cidade faturaram R$ 7,53 bilhões, 26% abaixo do mesmo intervalo de 2014.
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Produtoras de bens de capital, as companhias locais são mais afetadas pela crise. As compras de máquinas, semirreboques e carrocerias de ônibus não dão sinais de recuperação.
Sem ocupar toda a capacidade, as indústrias não investem em ampliação ou modernização, o que pode se tornar mais perda de competitividade no futuro.
- Não existe demanda. E o principal é que hoje ninguém sabe quando essa situação vai começar a mudar - afirma Getulio Fonseca, presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs).
De cada 10 empresas, oito cortaram vagas
A consequência mais dura é que, entre 2014 e julho deste ano, a indústria gaúcha fechou 34 mil vagas - 10 mil apenas em agosto. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, Lírio Segalla, admite que são poucas as fábricas que não demitiram.
- De cada 10 empresas, oito reduziram o pessoal - estima.
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Apesar do aumento de impostos como o ICMS no Estado, a reoneração da folha de pagamento pelo governo federal e a ameaça de volta da CPMF, o que encarece a produção e tira mais competitividade da indústria, o presidente da Fiergs tenta demonstrar algum otimismo de que o câmbio possa ajudar.
- Não dá resultado de um dia para o outro. Já exportamos bem mais, mas, com o crescimento industrial chinês e a valorização do real, perdemos clientes. E reconquistar é bem mais difícil do que conquistar - observa.
A materialização da competitividade cambial em negócios, portanto, ficou para 2016.
Redução é menor em emergentes
A marcha da desindustrialização é um processo considerado natural em vários países que, enquanto se desenvolvem, têm as populações consumindo cada vez mais serviços em vez de bens. Nas últimas décadas, ocorre no Brasil de forma mais acelerada do que em outros emergentes. Em território verde-amarelo, porém, o problema não está apenas na constatação de que as fábricas cresceram menos do que os demais setores em anos recentes. Há queda da produção industrial.
Um trabalho dos economistas Regis Bonelli e Samuel Pessôa, da Fundação Getulio Vargas (FGV) datado de 2010, mostra que, na comparação entre os triênios de 1970 a 1972 e 2005 a 2007, a participação da indústria no PIB brasileiro murchou de 25% para 15%, queda de 10 pontos percentuais. Na média dos 16 países analisados, a retração foi de cinco pontos percentuais.
Jefferson Colombo, da FEE, lembra que, em regra, a desindustrialização ganha velocidade por fatores como real supervalorizado, que afeta a exportação, ou como questões internas regulatórias, tributárias e trabalhistas. No país, avalia Colombo, a combinação dos dois ingredientes explica a perda de participação da indústria na economia.
Fatia menor
No país, a indústria seguiu perdendo peso na economia nos últimos dois anos, segundo o IBGE. A participação ficou em 11,5% em 2013 e em 10,9% ano passado.
Os dados dos dois últimos anos para o RS ainda não foram divulgados pela FEE, mas em 2013 a indústria cresceu menos do que a economia gaúcha e em 2014 teve queda maior, o que indica continuidade de perda de participação.
Crise no setor público prejudica competitividade
A crise no setor público é apontada como uma das principais razões que, ao longo do tempo, minaram as condições para a indústria gaúcha competir. Pela distância em relação aos principais centros consumidores do país, a infraestrutura deficiente - fruto da falta de capacidade de investimento estatal - se tornou um custo que onera os produtos.
A indústria metalmecânica do Estado, por exemplo, tem de buscar matérias-primas como aço no centro do país para montar veículos, máquinas e equipamentos que, depois, em grande parte, voltam prontos para os grandes mercados. Na tentativa de reduzir os custos logísticos, muitas indústrias transferiram a produção ou optaram por novas fábricas em outras regiões.
- Tínhamos um benefício de frete do governo do Estado para equalização desses custos, mas aos poucos isso foi retirado porque as despesas públicas cresceram muito - diz o presidente da Fiergs, Heitor Müller, exemplificando como o caos financeiro do Estado prejudica a competitividade local.
Precariedade de infraestrutura exige reformas em 30 pontes do Rio Grande do Sul
Apesar de o poder público não ter condições de investir em infraestrutura, concessões ou Parcerias Público-Privadas (PPPs) não conseguem avançar devido a contratos deficientes do passado recente, falta de segurança jurídica e receio de investidores quanto à lucratividade do negócio. O país paralisado pela crise política, com o represamento de recursos federais pelo ajuste fiscal, faz crescer o receio de que infraestrutura carente se deteriore ainda mais. Além disso, custos trabalhistas e carga tributária alta e complexa são outros fatores que atrapalham, acrescenta Jefferson Colombo, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE).
Oportunidade perdida para fazer reformas
Para o especialista, o país perdeu uma oportunidade de fazer reformas estruturais no período de bonança, alimentado pelo ciclo das commodities, o que agora ficou mais difícil de construir devido à falta de mínimo consenso político.
Colombo sustenta que medidas consideradas impopulares agora seriam reconhecidas como necessárias no futuro e, no curto prazo, ajudariam a melhorar as expectativas dos agentes da economia em relação ao país.