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De nada adiantou torcer, apelar aos céus ou acender uma vela para cada santo. Agora está, de fato, proibido morrer na Ilha da Torotama, comunidade de 1,2 mil habitantes em Rio Grande, no sul do Estado. A única gaveta que estava disponível no cemitério local já tem dono: é de Edgar de Almeida Oriente, torotamense de 72 anos, que morreu na noite de terça-feira.
Para a família, fica o consolo de que ao menos Oriente tem lugar garantido perto dos pais e do irmão, sepultados na Torotama. Enquanto não forem construídas novas gavetas no cemitério, ele terá sido o último a honrar a tradição - comum a povoados pequenos - de manter a família unida após a morte.
- Em uma hora triste como essa, a gente ainda ter que se preocupar com isso
Eu nem sei o que falar. Ainda bem que havia mais uma gaveta, senão teríamos que arranjar dinheiro para enterrar o pai em Rio Grande ou no Povo Novo - relata Selmar Gonçalves Oriente, filho do idoso.
O cemitério da Torotama é público e quase de graça: segundo o coveiro Ailton Rocha Machado, há nove anos responsável pelos enterros na localidade, cobra-se apenas R$ 10 a cada cinco anos da família dos mortos, para manutenção. Jazigos em cemitérios da área urbana não sairiam menos de R$ 200,00 - muito para o orçamento dos habitantes de uma comunidade pobre, que sobrevive principalmente da pesca e da agricultura familiar.
Muitos deles, aliás, são idosos como Edgar Oriente. Alguns, diz o presidente da Associação de Moradores da Torotama, Luiz Carlos Pedroso da Silva, estão doentes, em fase terminal. Mas não são apenas esses que preocupam. O próprio aposentado não morreu de velhice: foi vítima de acidente de trânsito entre a moto que dirigia e uma retroescavadeira.
- Para morrer basta estar vivo. E a morte não espera, como a gente pode ver - diz Pedroso.
Da noite para o dia, questão virou prioridade
Com a lotação esgotada, a situação do cemitério virou, da noite para o dia, prioridade para a Secretaria de Controle e Serviços Urbanos da prefeitura de Rio Grande. Se na terça-feira ainda não havia certeza sobre prazos, na manhã desta quarta-feira funcionários já arquitetavam tijolos sobre uma estrutura de concreto, onde devem ser erguidas mais seis gavetas.
Segundo cálculos do secretário Nilson Pinheiro, serão 10 dias para que a obra fique pronta. Até lá, os moradores da Ilha da Torotama vão ter que conviver com a tensão. E aguentarem firme para permanecer vivos.