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Antes de se reunir no centro de Porto Alegre para o ato desta segunda-feira, o Bloco de Luta pelo Transporte Público chamou a imprensa para denunciar "fatos que impedem o direito de manifestação e organização". O alvo das reclamações é a atuação da Brigada Militar durante o protesto da quarta-feira passada, que resultou em jornalistas e manifestantes feridos.
- Dia 18, um ato com aproximadamente 200 pessoas, pacífico, cinco mil panfletos na mão, fomos impedidos de caminhar por um contingente de mais ou menos mil brigadianos (a BM não confirmou a ZH números). Ou seja, extremamente desproporcional - diz Lorena Castillo, da Federação Anarquista Gaúcha (FAG), uma das instituições que compõem o Bloco de Luta, comparando a atuação da BM à ditadura militar.
Nenhuma denúncia formal em relação à conduta dos policiais foi feita pelos ativistas, mas Lorena afirma que a medida pode ser adotada em um próximo momento. Segundo ela, a intenção inicial foi publicizar o fato.
- Todo este aparelhamento não vai ser para garantir a segurança das pessoas, do cidadão. Vai ser para garantir a contenção da justa indignação da população em relação a esta infâmia, a este verdadeiro massacre que está sendo feito no país - acrescenta o advogado Onir Araujo, da Frente Quilombola RS, também integrante do movimento.
A manifestação da quarta-feira passada questionou a realização da Copa do Mundo no Brasil. No mesmo dia, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) divulgou uma nota afirmando que a atuação da BM foi para "garantir a segurança dos manifestantes, de quem estava no trânsito e dos pedestres" (leia o texto completo abaixo).
Nota do Bloco de Luta pelo Transporte Público
"Na última quarta-feira (18), convocamos um ato público com o caráter de diálogo com a população a fim de denunciar todos os crimes cometidos pelo Estado para garantir a realização da Copa do Mundo da FIFA. A isto o Estado respondeu desproporcionalmente, acumulando mais uma série de crimes, com um ataque brutal da Brigada Militar, que feriu vários de nossos manifestantes e alguns jornalistas que cobriam a manifestação e promoveu um verdadeiro cerco aos manifestantes no Centro da cidade.
Denunciamos que este foi mais um ataque criminoso da Brigada Militar, por descumprir a Constituição brasileira para favorecer os interesses de uma empresa chamada FIFA e de seus patrocinadores, ao passo que o ataque contra nós representa uma ofensiva ao direito à livre organização e manifestação, que ataca, de forma covarde e violenta, uma manifestação política legítima, colocando em risco a integridade física das pessoas.
Cerca de duzentas pessoas reuniram-se pacificamente na concentração na Praça Argentina a partir das 11h. Munidas de canetas e tintas iniciaram a pintura de faixas e cartazes, ao mesmo tempo em que se reunia ao nosso redor este outro grupo, de no mínimo mil membros, todos treinados militarmente para praticar violência, portando bombas, armas, cassetetes e escudos. Além da constante vigilância, de diversas abordagens e revistas intimidatórias às pessoas que se dirigiam ao ato ou passavam pela área onde o mesmo se organizava, toda a região estava tomada por um absurdo contingente da força repressiva, digno de Estado de Exceção. A polícia cercou os manifestantes por todos os lados, impedindo qualquer movimentação dentro de um perímetro muito restrito, disseminando o terror e a violência.
Com a tentativa de início da marcha, iniciou-se a repressão de forma arbitrária. Imediatamente, o ataque injustificado e violento partiu da polícia contra os manifestantes. No mínimo sete bombas foram disparadas diretamente contra nós, como pode ser comprovado neste vídeo (http://vimeo.com/98591837), desmentindo a versão divulgada oficialmente pela Brigada Militar, de que teriam sido lançadas quatro bombas. Em meio ao pânico das bombas de efeito moral, a polícia acirrou ainda mais o cerco, com centenas de policiais fortemente armados e mascarados, restringindo os nossos direitos mais básicos de ir e vir. Dezenas de pessoas que sequer faziam parte do protesto também ficaram cercadas pelas forças de repressão. Uma senhora passou mal, chegando a desmaiar, e foi socorrida pelos nossos militantes.
Além do ataque aos nossos direitos e aos nossos corpos, denunciamos que a linha de telefone celular utilizada pelo plantão da comissão jurídica do Bloco foi bloqueada, impedida de receber chamadas uma hora antes do início do ato, fazendo com que ativistas ficassem isolados juridicamente, se caso viessem a precisar da assessoria de nossos advogados. Isso, além de ser uma atitude covarde, restringe o nosso direito básico de defesa jurídica diante dos intermináveis ataques do Estado e das violações da polícia, e mostra claramente até onde se estendem suas táticas repressivas.
Um ataque de tamanha violência a um grupo que tentava protestar pacificamente não pode passar impune e não pode ser esquecido! Diversas pessoas ficaram feridas após o ataque das bombas de efeito moral e todos nós sofremos um ataque a diversos direitos civis garantidos pela Constituição. O Estado mostra-se assim completamente subserviente aos lucros e ditames da FIFA, colocando-os acima dos direitos constitucionais e da integridade de seus cidadãos. As garantias democráticas básicas foram quebradas, a única lei vigente foi a da repressão desmedida e da intimidação, que sabemos ser arma do Estado contra um povo organizado.
Por tudo isso, denunciamos e repudiamos as atitudes da Brigada Militar, sob o comando máximo do governador Tarso Genro, ao nosso ato realizado no dia 18/06, e exigimos uma resposta do Estado pelas práticas repressoras que remontam aos tempos da ditadura civil-militar, que ironicamente completou 50 anos este ano, sem que possamos perceber sua real e completa superação. É inaceitável que o Estado mostre tanto afinco em organizar e financiar aparelhos de violência e garantir o lucro de multinacionais, enquanto os serviços públicos básicos para a população não funcionam a contento."
Nota da Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul
"O protesto contra a Copa do Mundo, em Porto Alegre, reuniu menos de cem participantes, por volta das 13h dessa quarta-feira (18), e foi de curta duração. Na Avenida Salgado Filho, próximo a Av. João Pessoa, no Centro, a Brigada Militar estendeu uma fita e posicionou-se atrás, a uma distância de 40metros. O objetivo foi garantir a segurança dos manifestantes, de quem estava no trânsito e dos pedestres.
Integrantes do protesto ultrapassaram rapidamente esse limite, rompendo a fita e avançando em direção à tropa. Para contê-los, foram lançadas quatro granadas de efeito moral pela Brigada Militar. Não foram usadas bombas de gás lacrimogênio para não atingir um número maior de pessoas que estavam nas proximidades.
Dois jornalistas, que estavam entre os manifestantes que atravessaram a linha, acabaram sendo atingidos por estilhaços das granadas. Um teve um corte na mão e outro teve lesões no braço e na barriga. Ambos foram atendidos na ambulância da Brigada Militar e liberados. A Secretaria da Segurança Pública entrou em contato com os veículos em que os profissionais trabalham, onde informaram que os dois passam bem.
O grupo seguiu pela Avenida Loureiro da Silva e se dispersou no Largo Zumbi dos Palmares. Não houve atos de vandalismo até o momento."