
País de cerca de 26 milhões de habitantes, Gana se destaca na extração de ouro e petróleo e na produção de cacau, mas essas características ainda não foram revertidas em melhorias na qualidade de vida da população. Não há registros recentes de guerra civil no país, localizado entre Costa do Marfim e Togo, porém o contexto econômico leva os seus habitantes a procurarem oportunidades em outros territórios.
A conjunção de fatores, combinada com a possibilidade de entrar no
país no período da Copa do Mundo, está gerando consequências. Parte dos ganeses não retornou à África e passou a pedir refúgio no Brasil, alegando questões como perseguições políticas, étnicas e religiosas. Somente em Caxias do Sul, 300 migrantes chegaram nos últimos dias, depois de passagens por São Paulo e Criciúma (SC).
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Em Acra, capital de Gana, a embaixada brasileira concedeu vistos de turistas a ganeses interessados em ver os jogos do Mundial 2014. Com base na Lei Geral da Copa, era preciso apresentar passaporte e ingresso ou comprovante da Fifa de compra do bilhete. O Ministério das Relações Exteriores informa que as exigências foram observadas, mas, entre os ganeses que estão em Caxias do Sul ou Criciúma, a maioria não tem relação com a Copa.
Agora, com a ajuda de compatriotas estabelecidos no Brasil há mais tempo, ganeses se deslocam à Polícia Federal para solicitar refúgio. Com o protocolo, eles já podem trabalhar e acessar os serviços públicos. Caberá ao Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça, decidir se as solicitações se encaixam na legislação de refúgio em vigor no Brasil.
Cidade com vagas pode receber migrantes
Entre especialistas, há o entendimento de que os ganeses não se encaixam no contexto dos países mais conflagrados da África. Há, contudo, um ponto da lei que assegura o refúgio por "graves violações dos direitos humanos", o que pode estender o benefício aos ganeses.
- O refúgio está sendo usado como instrumento para legitimar movimentos migratórios que não se encaixam no conceito puro de refugiado. As pessoas querem sair da pobreza, é uma questão econômica - afirma Gabriela Mezzanotti, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Unisinos e integrante da Agência da ONU para Refugiados (Acnur).
Embora Gana esteja em processo de desenvolvimento econômico, com produção e avanço na exportação de petróleo, especialistas afirmam que a migração de africanos é um processo irreversível. Esse movimento já esteve mais direcionado à Europa e, agora, se volta ao Brasil, que ampliou as relações diplomáticas com os países do continente nos últimos anos.
- Gana não é o mesmo caso de países com conflitos civis ou intervenção externa. Eles não necessariamente configuram um grupo de refugiados ou perseguidos políticos, mas, no contexto, me parece uma tentativa de buscar algo mais próspero - avalia Analucia Danilevicz Pereira, professora de Relações Internacionais da UFRGS e integrante do Centro Brasileiro de Estudos Africanos.
Para Gabriela Mezzanotti, a União precisa atualizar a legislação, assumir atribuições e melhorar as estruturas de acolhimento dos migrantes, hoje praticamente delegadas a prefeituras, igrejas e ONGs. A professora da Unisinos entende que a chegada descontrolada, sem o encaminhamento ao emprego e à moradia, poderá dar margem à xenofobia e à cooptação pelo crime organizado.
O Ministério da Justiça anunciou que decidirá o futuro dos ganeses em reunião às 10h de hoje, em Brasília, em conjunto com as pastas do Trabalho, Relações Exteriores, Desenvolvimento Social, além de Polícia Federal. A tendência é de que os estrangeiros sejam enviados para diversas cidades do país em que há oportunidades de emprego - uma das qualificações deles é falar o inglês - enquanto o Conare não toma uma decisão sobre os pedidos de refúgio.
- Essa foi uma solução provisória citada pelo Ministério da Justiça. Caxias é uma cidade acolhedora, já temos 1.108 senegaleses e 895 haitianos cadastrados no SUS, mas eles foram chegando aos poucos e se estabelecendo. Não estamos preparados para receber 300 ganeses ao mesmo tempo - diz o prefeito caxiense Alceu Barbosa Velho.