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Quando Neymar cobrou escanteio e Thiago Silva balançou a rede do gol da Colômbia, Tânia Reis, 52 anos, e Luis Carlos de Barros, 53, tomavam um mate na sacada de casa, em Itaqui. Com o Rio Uruguai mais de 13 metros acima do normal como cenário, o casal não torcia pela Seleção: mas para que a água parasse de subir.
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Parte da residência localizada próxima ao porto da cidade está submersa, exceto o anexo onde dorme a filha de 18 anos. É no quarto da jovem que eles empilham roupas e eletrodomésticos com o mesmo empenho que os atacantes brasileiros driblam zagueiros. Só que, neste jogo na Fronteira Oeste, vencer depende do recuo do rio - o que levará bem mais do que os 90 minutos lá de Fortaleza.
Abaixo da construção fica a garagem da família, com altura de 3,8 metros. Acima, faltam menos de 30 centímetros para que a água invada o que restou da residência. Na noite desta sexta-feira, para desespero, o Uruguai ainda subia timidamente. Mas o casal já tem estrada nesse sobe e desce de enchentes na cidade. Por que não se mudam?
- Pra mim não tem lugar melhor, mas não aguento mais. Assim que der, vou comprar uma casa nova - promete Tânia, garantindo que não venderá a atual.
Casal ouviu o jogo pelo rádio / Crédito: Tadeu Vilani, Agência RBS
Na terça-feira, o casal que já perdeu até uma casa na década de 1990 por conta da força das águas esvaziou a residência com a ajuda de uma caminhonete. Cozinha, cama, sofá e inclusive a nova mesa de jantar - que a dona de casa desejava, mas relutou em comprar devido ao medo que a enchente a levasse - foram resgatadas e estão guardadas em um galpão. Do resto, eles fazem vigília e garantem que não deixam o local com medo de saques.
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No furacão da enchente, a luz foi cortada. Jogo do Brasil só pelo radinho a pilhas, e iluminação apenas através de velas. A filha Natiele de Barros, 18 anos, está dormindo na casa de um parente. Tânia e Luis foram convidados para assistir à partida por lá, mas recusaram o programa regado a cachorro-quente.
- Não tem clima - justifica a mulher.
Aos 22 minutos do segundo tempo, quando David Luiz ampliou o placar, o outro Luis, o de Itaqui, servia mais uma cuia de mate. Já no breu, a esposa providenciava uma lanterna e velas para iluminar a conversa. A animação com o 2 a 0 foi tamanha que o pescador providenciou um foguete guardado desde o Natal e lançou sobre as águas da enchente. A pirotecnia espalhou fumaça por toda a área, e Luis se divertiu com a engenhoca. Mas lamentou:
- A seleção não está como em outras Copas, todos os jogadores jogam iguais. Estava me preparando para ver o jogo, agora, só no rádio.
Casa de Luis foi alagada pela cheia do Rio Uruguai
Foto: Tadeu Vilani, Agência RBS
Do lado de lá do rio fica a cidade argentina de Alviar. Luis contava que, nas partidas vencidas pela seleção do país rival na Copa, os hermanos estacionam no porto ao outro lado do Rio Uruguai e buzinam, gritam e estouram foguetes. É a rivalidade sem fronteira. Foi quando o relógio marcou 18h28min e a Colômbia marcou um gol - este não anulado.
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O casal controla a cheia do Uruguai pela placa de uma gráfica já parcialmente submersa. Cada vez que uma nova linha da listagem de serviços vai desaparecendo, os nervos de Tânia aparecem. Na quinta-feira, atormentada com a situação que enfrentam, diz que chorou duas horas seguidas. O marido a convidou para dar um passeio sobre o que eram as ruas - e nesta sexta-feira são rios - de chalana, um barquinho a remo. A mulher, que não sabe nadar, se desequilibrou a caiu na água da enchente. O susto foi grande, mas ela conta sorrindo.
- Sou muito guerreira, não deixo a peteca cair. Mas, quando caio, eu sinto. Sinto mesmo. A gente vai aprendendo a lidar com a enchente, mas medo temos sempre. Não sabemos o que vamos encontrar lá embaixo - diz.
VÍDEO: repórter de ZH mostra Itaqui debaixo d'água
Ao fim da partida e começo da caminhada da Seleção à semifinal do Mundial, só se ouvia o balanço dos postes de luz abalados pela cheia e o movimento de veículos na estrada do outro lado, na Argentina.
- Diziam os antigos: quando dá o barulho do trem de lá, chove - contou o pescador.
Esperamos que não, Seu Luís.
Em Itaqui, casas tiveram de ser removidas de dentro do rio: