
Incumbida de uma reportagem para explicar a popularidade do então governador Eduardo Campos, um mês depois de sua reeleição com 83% dos votos, em 2010, voltei de Pernambuco com uma convicção: aquele homem de reluzentes olhos azuis um dia chegaria à presidência do Brasil.
Tudo em sua trajetória indicava que era apenas questão de tempo. Não por ser herdeiro do lendário ícone da esquerda Miguel Arraes - embora esse parentesco parecesse reforçar o seu destino -, mas pela obstinação com que se movia no poder e pela aura de adoração conquistada entre a população - comparável à do conterrâneo Luiz Inácio Lula da Silva, só que com um estilo de gestão peculiar, mesclando a herança esquerdista com princípios da iniciativa privada.
Workaholic convicto, o ex-ministro de Ciência e Tecnologia de Lula costumava dormir no máximo cinco horas por noite, e às 6h já enviava mensagens aos secretários. Mantinha controle sobre todas as áreas. Mandara instalar câmeras para vigiar obras, monitorando pela internet a execução. Era duro na cobrança. Enquanto assistia a apresentações dos subordinados, auxiliadas por três telões, ficava batendo no chão o pé tamanho 44, com o celular na mão. Se ouvisse que o cronograma atrasara, ligava imediatamente para o responsável para exigir providências, sem sossegar até eliminar os entraves antes do fim da reunião.
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Passava tanto tempo despachando que os filhos iam ao gabinete visitá-lo - a ponto de José, à época com seis anos, ter aprendido a andar de bicicleta no pátio do Palácio das Princesas. (Em janeiro deste ano, a família seria ampliada com a chegada de Miguel, que recebeu o nome em homenagem ao avô. Diagnosticado com síndrome de Down, foi o quinto filho da união com Renata, a vizinha que Campos começou a namorar quando tinha 15, e ela 13).
De perfil onipresente, o governador conciliava a imagem de paizão com a de governante minucioso. Apesar de seus resultados inspirarem governos petistas - inclusive o de Tarso Genro -, os métodos adotados provocavam calafrios na esquerda tradicional. Com consultoria da INDG, a mesma usada por governos tucanos, implantou a meritocracia. Policiais passaram a ganhar bônus por apreensão de armas, e professores a incorporar o 14º salário quando cumpriam metas de aprovação. Ao fim do primeiro mandato, o governador comemorava a multiplicação em quatro vezes do índice de geração de empregos, o aumento do efetivo da polícia civil em 39%, a queda no número de homicídios.
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Por mais que eu tentasse, por dever de ofício, encontrar discursos plurais sobre sua gestão, quase só ouvi aplausos nos dois dias em que estive lá: em uma Unidade de Pronto Atendimento que visitei, usuários elogiavam até a limpeza dos banheiros, dizendo que o atendimento ali era mais rápido do que em consultório particular. Embora a oposição argumentasse que Campos colhia o que não plantara, já que governos anteriores teriam "arrumado a casa", a aprovação recorde sinalizava que lhe sobrava respaldo popular. Claro que isso foi antes da polêmica campanha que encabeçou para garantir uma vaga para sua mãe no Tribunal de Contas da União, em 2011 - que lhe rendia críticas desde então.
O carisma era comparado ao do avô Arraes, que era governador de Pernambuco quando foi cassado pela ditadura e exilado na Argélia, em 1964. Ao retornar ao país depois da Anistia, em 1979, Arraes se tornaria um ícone pela redemocratização - e até hoje é lembrado por políticas como as que garantiram um salário acima do mínimo para trabalhadores rurais.
Ainda que o legado do avô fosse simbólico, Campos já trilhava rumo próprio. Para os que acompanhavam a política local, seu estilo acelerado e focado em metas sempre esteve associado a um projeto mais ambicioso, que acabaria confirmado quando se lançou a presidente. Os ventos pareciam soprar a favor. Depois de crescer à sombra do PT, seu partido PSB ensaiava rumo próprio e seguia em trajetória ascendente. Se as eleições de 2014 seriam a primeira tentativa de se tornar conhecido nacionalmente, as de 2018 poderiam consolidar o projeto nacional.
Com a queda do jatinho em que estava, ontem, em Santos, todas essas convicções cederam lugar à incredulidade. Não morreu somente um candidato a presidente. Morreu uma promessa na política nacional. Em uma trágica coincidência, no mesmo 13 de agosto em que morrera seu avô Arraes, nove anos antes. Diante dessa perda, todos os prognósticos políticos feitos até então perderam o sentido.
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