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De boné branco na cabeça e colete reflexivo sobre o peito, os 200 brigadianos que desde terça-feira reforçam o policiamento em Porto Alegre não passam despercebidos nas ruas. No Interior, porém, sua ausência é tão visível quanto na Capital, reclamam prefeituras das cidades que cederam PMs.
A transferência abriu novamente o debate sobre prioridades no policiamento. Afinal, o que pesa mais: quatro policiais a menos em uma cidade de 35 mil habitantes como São Luiz Gonzaga - conforme levantamento informal da prefeitura - ou quatro homens a mais em uma Capital com 1,4 milhão de moradores?
Especialistas afirmam que, para essa equação humana, não há resposta exata. Na Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) circula a constatação de que a transferência de 2 mil policiais durante a Copa do Mundo não teve efeitos diretos nos índices de criminalidade. As estatísticas comprovam: enquanto em Porto Alegre, durante o mês de junho de 2014, houve aumento de mais de 18% nos roubos na comparação com o ano anterior mesmo com o reforço, São Leopoldo - uma das cidades que transferiu PMs - teve redução também de 18% no crime. Os números, porém, não são uniformes: há municípios do Interior que tiveram crescimento de ocorrências em junho.
Segundo o comandante-geral da corporação, coronel Fábio Duarte Fernandes, a avaliação é de que, nos locais com presença da Brigada Militar (BM), o crime caiu porque a população reconquistou o espaço. Ele ressalta que o reforço na Capital é embasado em números: mais da metade de crimes como furto e roubo de veículos de todo o Estado acontecem em Porto Alegre.
- Não estamos fazendo uma experiência, nos baseamos em planejamento. Acreditamos que, no médio prazo, o reforço irá efetivamente reduzir esses índices - aponta o comandante.
Em Porto Alegre, os 200 PMs atuam fora dos batalhões normais, lotados no Comando Operacional de Policiamento. Cerca de 80% faz policiamento a pé, próximo à população. É justamente isso que as cidades do Interior sentem falta. E, por isso, a Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs) critica a transferência.
- Parece um alerta de que estamos menos protegidos. Já temos uma situação deficitária em todo o Interior, com municípios que tem metade do quadro necessário. O que a população nos cobra é a sensação de segurança - diz o presidente da Famurs e prefeito de Tapejara, Seger Menegaz.
Sensação de segurança está ligada ao imaginário, dizem especialistas
De cada comando da BM no Estado não foram retirados mais do que 10 homens, afirma a corporação. Mas esse número tem significados distintos em cidades diferentes. Isso porque a sensação de segurança, segundo o analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Guaracy Mingardi, está mais ligada ao imaginário do que à prática. Ele lembra uma pesquisa realizada na década de 1970 na Universidade de Kansas, nos Estados Unidos. A experiência dividiu uma cidade em três áreas:
- Em uma, se aumentou o policiamento e a população foi avisada;
- Na segunda, o policiamento foi reduzido e os moradores nada ficaram sabendo;
-- Na terceira, mais policiais foram colocados nas ruas e a medida não foi divulgada.
Mingardi recorda que, nas áreas em que não se sabia da mudança, nada foi percebido - nem melhora, e nem piora. Mas onde se avisou sobre o aumento do efetivo, a população sentiu-se mais tranquila.
- A sensação de segurança depende muito mais do que é noticiado do que daquilo que acontece na prática. O crime profissional sabe que, se a polícia passou em um ponto em cinco minutos, não irá passar em 10 - explica.
O professor da Universidade Católica de Brasília e especialista em segurança pública Nelson Gonçalves diz que a sociedade se sente insegura quando não percebe que há uma ação efetiva das autoridades no emprego dos recursos.
- A sensação de insegurança funciona mais ou menos assim: as pessoas deixam de sair às ruas em determinado horário ou lugar não porque elas tenham sofrido algum crime, mas pelo simples fato de ouvir uma notícia ou um caso de alguém que foi vitimizado. O medo faz com que elas se inibam, enquanto a presença do aparato policial reduz essa sensação e intimida o crime.
Gonçalves defende a realocação de policiais com três condicionantes: que seja feito do modo certo, no lugar certo e pelas razões certas.
- Tem de ser onde o relatório de análise criminal indica uma necessidade de maior atenção por conta da maior incidência de crimes, e tem de ser planejado. Caso contrário, não vai funcionar - conclui.