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Meia hora antes de José Pepe Mujica chegar ao Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde fez uma palestra na noite desta quarta-feira, o local já estava lotado. Aguardado por universitários de seis países participantes da 5ª edição do Seminário Internacional Universidade, Sociedade e Estado, o presidente uruguaio falou sobre temas como crise política e consumismo, e teve de interromper a fala diversas vezes para dar lugar aos aplausos de uma plateia entusiasmada por seu discurso social.
- Vivemos em um tempo onde dizemos, por exemplo, que há uma crise ecológica. Essa crise é consequência, não é causa. A causa é de ordem política, temos uma crise de ordem política. De uma época onde, inequivocamente, se precisa de uma governança mundial - relatou o líder uruguaio no início de seu discurso.
Segundo Mujica, a sociedade sabe o que se passa, tem tecnologia e meios econômicos, mas segue caminhado para outro lado. Os governos, conforme o presidente, seguem preocupados com quem ganhará a próxima eleição.
- Não podemos por fim à especulação financeira, de bancos que roubam a sorte da pobre gente. Se isso não se chama crise política, não sei o que é política.
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Outro aspecto abordado pelo presidente uruguaio foi a sociedade baseada no consumo, crítica recorrente em seus discursos e bandeira que combate com o próprio estilo de vida. Ao invés de se mudar para a casa presidencial após eleito, Mujica seguiu morando em uma chácara e cultivando hábitos simples, que associa à liberdade.
- O que está priorizado é a acumulação de capital. Se tem que consumir, consumir e consumir. Viver para consumir e passar toda a vida pagando contas. E assim te vai a vida, algo que não podes comprar - afirmou o presidente, sob aplausos e assobios do público.
- Não nos decidamos nossa própria vida, mas essa é a nossa única oportunidade acima da terra. Não compartilho com a ideia de que a gente tenha que sofrer nesse mundo para ganhar um lugar em outro melhor - continuou Mujica, sendo novamente interrompido pelas palmas, dessa vez acompanhadas também por risos.
Foto: Lauro Alves, Agência RBS
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Conforme o líder político, já que a natureza deu-nos a consciência, precisamos parar para pensar sobre a vida e nos autoanalisar. O conceito de liberdade, para Mujica, é ter tempo para dedicar-se às coisas que gosta.
- Cada dia que passa, menos temos. Não se pode deixar a vida para pagar contas. Dizem que sou o presidente pobre, mas não sou pobre,"carajo" - exclamou o presidente, sendo interrompido novamente por aplausos e risos.
- Pobre é quem precisa muito e não alcança nada. Defendo a liberdade, e defender a liberdade é gastar menos possível em coisas materiais para ter tempo de ser o que eu gosto. Sou militante não porque me pagam, mas porque estou a serviço de meu sonho - disse Mujica, sob novos aplausos, acrescentando que não pretendia convencer o público, mas fazê-los pensar.
Sobre o papel das universidades, o presidente afirmou que não se pode ser acadêmico sem sentir responsabilidade com o povo, quase analfabeto. É preciso, conforme o político, ter consciência social. Em sua fala de quase uma hora, Mujica também criticou a guerra, onde segundo ele sempre morrem os pobres, e não os responsáveis pela luta.
Promovido pela Associação de Universidades do Grupo Montevidéu (AUGM) -composta por 31 instituições públicas de ensino superior da Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai, Paraguai e Brasil - o seminário tem como tema "Desenvolvimento Sustentável para a Integração Regional do Cone Sul".
Ainda nesta quarta-feira, Mujica visitou o polo de catadores de Novo Hamburgo e participou de um ato de celebração das ações de cooperação entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai, no Palácio Piratini, em Porto Alegre.
Mutimídia
Assista a vídeo com trechos da entrevista que Pepe Mujica concedeu ao repórter Léo Gerchmann em novembro do ano passado:
* Zero Hora