
O vereador João Carlos Nedel (PP) criou um projeto de lei complementar que modifica o Plano Diretor Cicloviário. De acordo com a proposta, a implantação de ciclovias ou ciclofaixas só poderá ser feita onde não resultar em redução ou eliminação das faixas destinadas ao fluxo dos mesmos e das áreas de estacionamento existentes no local.
Segundo o projeto, "a implementação de ciclovias e ciclofaixas deverá ser precedida de adequação do dimensionamento dos passeios públicos existentes e da respectiva via, para garantir a acessibilidade de pedestres, a manutenção da fluidez de tráfego e de estacionamentos e o acesso aos estabelecimentos comerciais".
- Para fazer uma ciclovia na faixa de tráfego de veículos, a rua tem de ser alargada. Quando não tem condições de alargamento, pode ser feita no passeio, desde que o passeio tenha as dimensões que permita fazer as duas coisas, o passeio e a ciclovia. Se área do pedestre tiver dimensionamento maior que o mínimo exigido, pode ser feita a ciclovia - explica Nedel, que não soube responder qual é a dimensão mínima de calçada exclusiva ao pedestre.
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De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), não existe, de fato, uma largura mínima. O plano de acessibilidade fala em um mínimo de 80cm a 150cm, conforme a largura da calçada. O órgão usa, em seus projetos, utiliza a largura mínima de 250cm, exceto quando há necessidade de estreitamento por alguma situação particular.
Para o vereador e cicloativista Marcelo Sgarbossa (PT), o projeto inviabiliza a implantação do Plano Diretor Cicloviário e vai contra legislações nacionais e municipal.
- O projeto vai contra o a Lei Nacional da Mobilidade Urbana, o Plano Diretor Cicloviário e o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental. É a oficialização de um levante contra uma cidade com um trânsito melhor no futuro. Pelo projeto, não dá para tirar espaço dos carros, nem de estacionamento. A prefeitura já tem feito essa opção de ciclovia na calçada. A decisão política é sempre feita na lógica do carro. É uma inversão de prioridade, que, pela lei, deveria ser pedestre, depois, ciclista, depois, carro.
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Nedel, no entanto, afirma que essa lógica não está na legislação. Questionado sobre a lei federal que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que tem, entre suas diretrizes, "a prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado", Nedel afirmou desconhecê-la.
Procurado por Zero Hora, o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, não quis comentar o projeto.
Confira a entrevista feita com o vereador João Carlos Nedel:
O que o senhor está propondo?
Coloquei esse projeto de lei dizendo que ciclovias ou ciclofaixas, quando forem projetadas sobre a via de tráfego de veículos, a implantação não poderá reduzir o dimensionamento ou diminuir o fluxo de veículos, nem diminuir a área de estacionamentos já existentes. Para fazer uma ciclovia na faixa de tráfego de veículos, a rua tem de ser alargada. Quando não tem condições de alargamento, pode ser feita no passeio desde que o passeio tenha as dimensões que permitam fazer as duas coisas, o passeio e a ciclovia.
Há uma largura mínima definida por lei para circulação de pedestres na calçada?
Não sei te dizer. A rua em que eu moro, a Lucas de Oliveira, tem calçada dos dois lados, de aproximadamente de cinco a seis metros de largura. E a pista de tráfego é extremamente estreita. Claro que para alargar, teria que tirar as árvores, e isso hoje é quase impossível.
E onde não tiver esse espaço nem na pista nem na calçada?
Não será feita (a ciclovia).
O senhor acredita que cidade não tem condições de implantar a malha prevista no Plano Diretor Cicloviário?
Ora, isso tem que ser examinado por técnicos. Nossa orla tem 72 quilômetros. Se for implantada na orla, já são 72 quilômetros. Na Restinga, que é plano, tem possibilidade. E há outros lugares...
E para integrar o trânsito de toda a cidade?
Acho muito difícil integrar todos os bairros. Olha o que está acontecendo na ciclovia da Ipiranga. Foram obrigados a colocar sinaleiras em certas ruas para permitir cruzamento das bicicletas. Isso já está atrapalhando o trânsito. Na Ramiro Barcelos e na Santana, os carros não podem dobrar à esquerda se a sinaleira estiver fechada. E isso está atrapalhando uma pista de trânsito.
Considerando que Porto Alegre é uma das capitais com mais árvores nas ruas, se for colocar ciclovia nas calçadas, isso tem como ser feito sem derrubar árvores?
Esse é outro problema sério. A calçada, normalmente, pode ter 4m80cm e aí tem as árvores. Vamos supor que tem uma diminuição de, no mínimo, um metro. Aí também não vai ser possível, porque teria de cortar as árvores.
O seu projeto não inviabiliza o Plano Diretor Cicloviário?
Não inviabiliza, ele melhora. É uma onda que querem fazer ciclovia ou ciclofaixa de qualquer maneira. Pode ser perigoso aos ciclistas. Temos problemas sérios, ciclovias como a Loureiro da Silva, não sabemos bem onde começa ou onde termina. Na Loureiro (da Silva) com a Augusto de Carvalho, como é que vai ser? Na Augusto de Carvalho, já tem três tempos de sinaleiras. Fatalmente, vai ter que ter mais uma sinaleira para os ciclistas.
Imaginando que o projeto avance, ele diz respeito às ciclovias que forem projetadas a partir de sua aprovação?
Para os já implantados, não. Os que estiverem em planejamento, nestes, sim, interfere.
O vereador Marcelo Sgarbossa que afirmou que seu projeto inverte a questão da prioridade do trânsito, que deveria ser do pedestre, do ciclista e depois do carro.
Essa é prioridade dele. Não é a da lei e também não é da nossa realidade. Veja, vou dar prioridade para mil bicicletas e vou prejudicar 800 mil veículos. Acho que tem de haver certo equilíbrio.
O senhor acha que há equilíbrio hoje?
Acho que há equilíbrio hoje. Com 800 mil carros, acho que tem de ter prioridade para isso, né?
Por que o senhor faz esta proposta agora?
É pela segurança dos pedestres. Aliás, dos ciclistas, dos pedestres, e também pela defesa dos proprietários dos imóveis (das vias onde há planos de se implantar ciclovias).
O senhor circula ou já circulou a pé ou de bicicleta em calçadas onde há ciclofaixa?
Não, pouco circulo nessa área.
O senhor conhece outras cidades que têm ciclovias sobre as calçadas?
Não conheço, mas eu sei que na Europa, parece que Berlim tem ciclovias sobre as calçadas.
O senhor já foi a Berlim?
Não.
O senhor sabe se as calçadas de Berlim têm a mesma largura das calçadas de Porto Alegre?
Não sei. Só ouvi dizer que tem ciclovias lá, nas calçadas.
O seu projeto não vai contra leis que estão em vigor atualmente, dando prioridade aos veículos individuais e motorizados?
Não sei se tem lei que dá prioridade.
Tem uma lei federal que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que tem como diretriz a prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado?
Eu desconheço essa lei.
O senhor não teme que o projeto inviabilize a implantação do Plano Diretor Cicloviário?
Eu acho que aperfeiçoa.
Pela malha de ciclovias prevista para toda a cidade, não teria como fazer isso sem diminuir o espaço para o pedestre?
O espaço do pedestre tem que ser sempre garantido. Isso não tem dúvida.
E o espaço do ciclista? Não tem de ser garantido?
É... Assim ó, ele deve ter segurança nesses espaço, e hoje não está tendo segurança. Eu não sei se Porto Alegre permite essa garantia. Em certos locais, nos alargamentos, o espaço é garantindo. Mas no centro da cidade, que não tem espaço. Já hoje não tem garantia.
E no bairro Santa Cecília, onde está prevista uma ciclovia que ligará a Ipiranga à Praça da Encol?
Ali, há um movimento dos moradores que são contrários a essa ciclovia nos moldes e nos locais que a EPTC quer implantar. Acreditam que teria de fazer em outra rua que não a Santa Cecília.
Mas aí teria de alterar o Plano Diretor Cicloviário.
Olha, isso não é difícil, desde que seja viabilizada uma ciclovia melhor aplicável, que não prejudique os pedestre e os veículos.