Diante da impossibilidade de ocupar o CTG Sentinelas do Planalto, atingido por um incêndio criminoso na quinta-feira, o Salão do Júri de Santana do Livramento enfeitou-se de motivos gauchescos, no sábado, para celebrar o casamento de 28 pares heterossexuais e um de lésbicas.
A mais aplaudida, entre as autoridades, foi a juíza Carine Labres. Apresentando-se num vestido de prenda verde (foto abaixo), com detalhes em branco, perguntou que "tipo de medo foi acionado", entre os tradicionalistas, quando foi proposto o casamento misto num CTG.
- Resolveram, tal qual a inquisição medieval, queimar aquilo que simbolizava sua intolerância e incompreensão - ressaltou a magistrada, referindo-se ao incêndio. A juíza de Direito que ousou desafiar a parcela mais conservadora do tradicionalismo gaúcho define-se como uma magistrada que veio "para fazer a diferença", não deixar a carreira "passar em branco".
Carine Labres, 34 anos, entende que não deve se limitar ao gabinete, mas interagir com a população, especialmente em favor das minorias.
Foto: Carlos Macedo, Agência RBS
Inspiração em exemplos como Maria Berenice Dias
Desde dezembro na comarca de Santana do Livramento, Carine provocou uma revolução de costumes na Fronteira ao propor a realização de um casamento coletivo, incluindo pares do mesmo sexo, dentro de um CTG - reduto sagrado da virilidade rio-grandense.
Chegou a se abraçar à bandeira do arco-íris (símbolo do movimento gay) para demonstrar o quanto estava decidida. Em março, realizou o primeiro casório coletivo e misto na cidade, no fórum de Livramento. Casada, sem filhos, repetiu mais de uma vez aos jornalistas:
- Não conheço a palavra desistência. Não vou parar, vou até o final.
Coquetel molotov pode ter causado incêndio em CTG, diz polícia
Moradores de Santana do Livramento se juntam para reconstruir CTG
Leia todas as últimas notícias de Zero Hora
Em artigo publicado no jornal A Plateia, de Livramento, no dia 11, Carine expôs o seu estilo. Revelou que se inspira nos exemplos de Maria Berenice Dias - a primeira mulher a se tornar magistrada no Estado e famosa por defender minorias sexuais.


- Quando assumi a função jurisdicional, no ano de 2010, tinha a ideia de fazer a diferença, de não passar em branco pelas comarcas, realizando somente tarefas inerentes ao meu cargo - informou Carine, que começou a atuar em Cacequi.
Há quem ache birra de adolescente
Jovem, esbelta, os cabelos loiros indicando a origem alemã de quem nasceu em Lajeado, Carine pode receber com humor perguntas ousadas. Quando um colunista de Livramento perguntou se era lésbica, em função da insistência em fazer o casamento homoafetivo dentro de um CTG, respondeu sem se alterar que não. E depois sorriu amigável para o jornalista.
No entanto, não deixa críticas sem resposta, o que lhe valeu o apelido de "juíza de faca na bota" entre os santanenses. Uma das mais ácidas partiu justamente de um colega, o juiz federal Adel de Oliveira, de Porto Alegre, que questionou a escolha do CTG como palco da união coletiva e mista. O magistrado federal foi contundente:
- É uma provocação desnecessária que em nada colabora com a luta pela igualdade de direitos. A ideia parece mais birra de adolescente ou de quem busca espaço na imprensa.
No mesmo artigo em A Plateia, Carine contestou o colega. Sustentou que não poderia ficar "encastelada" no gabinete, alheia à "hipocrisia que paira na sociedade" e de "olhos fechados" aos preconceitos contra negros e gays. Observou que espera "dar a minha voz e os meus atos" aos que "não são ouvidos e sequer lembrados pela maioria opressora".
Diante do atentado que destruiu parcialmente o CTG Sentinelas do Planalto, e sem tempo para concluir as obras, Carine não se entregou. Decorou o Salão do Júri com pelegos, sela de montaria, chaleira, cuia de chimarrão, palas. Fez tocar música gauchesca à entrada dos noivos, vestiu- se de prenda e, num discurso contra a intolerância, declarou:
- Tenho a personalidade forte.
Saiba mais:
"Vai ter casamento", garante patrão do CTG incendiado
Polícia Civil acredita que incêndio tenha sido planejado
Participe
Qual o motivo para a intolerância em torno do casamento homossexual?
*Zero Hora