
A coragem de um morador de rua, que mesmo sob a ameaça de ser morto resolveu ajudar a socorrer uma vítima de estupro em Porto Alegre, motivou a formação de uma rede de voluntários emocionados com sua atitude. O guardador de carros Everton Soares Pereira, 35 anos, ganhou vacinas para os cachorros e propostas de emprego e de tratamento para dependência química.
As vacinas para os seis filhotes de sua cadela Alemoa foram aplicadas no final da tarde de terça-feira. Após ler a reportagem de Zero Hora que contou a história do morador de rua, Silvia Mara, proprietária de uma clínica veterinária na Capital, decidiu encontrá-lo no barraco onde reside, às margens do Guaíba. A estudante de Medicina Veterinária pediu ajuda a outras quatro pessoas - um médico veterinário, dois auxiliares de clínica veterinária e um ativista de direitos dos animais - e montou um mutirão para tratar dos filhotes.
- Demos vacina, vermífugo e antipulgas para eles. Fiquei impressionada com o jeito como são bem cuidados - relatou.
A clínica também ofereceu castração e acompanhamento médico a todos os cachorros de Pereira.
- Acho que vou castrar a Alemoa - contou o morador de rua exibindo um sorriso agradecido.
Foto: Mauro Vieira, Agência RBS
A cadela caramelo e seus filhotes - que nasceram com um misto da cor dela e do pai, um guaipeca preto e branco - dormem no colchão de Pereira, sob um teto de lona preta e uma porta improvisada com um pedaço de madeira.
- Botei uma porta para eles não saírem, mas como já estão caminhando, às vezes escapa um. Aí a Alemoa sai atrás, pega o filhote com a boca e leva de volta ao barraco - conta.
Voluntários ofereceram emprego e tratamento ao morador de rua
Além da ajuda de Silvia, Pereira recebeu uma proposta de emprego e de tratamento para sua dependência química, o que o arrastou para a rua. Natural de São Lourenço do Sul, ele tinha família - mulher e dois filhos - e um emprego em uma cabanha, onde cuidava de cavalos crioulos, mas perdeu tudo ao se render ao crack. Diz que sabe muito da lida com os animais, da encilha ao laço, e que já cuidou de cavalo selecionado para o Freio de Ouro. Nas ruas da Capital, onde vive há oito anos, conta que já atuou como catador, mas hoje prefere apenas guardar carros no Centro ou na Cidade Baixa.
A chance de trabalho foi oferecida por Antonio Augusto Ferreira, dono de uma empresa de jardinagem na Capital. "Fiquei comovido com a história dos moradores de rua que ajudaram a adolescente (vítima de estupro). Se esse rapaz (Pereira) quer uma chance de emprego, posso ajudar", relatou o empresário à reportagem por e-mail.
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Já a proposta de tratamento gratuito para a dependência química partiu do aposentado Lindomar Mulling, voluntário em duas clínicas mantidas pela igreja evangélica, uma em Sapucaia do Sul, onde mora, e outra em Gravataí. Pai de um ex-dependente químico e natural de São Lourenço do Sul, cidade onde Pereira nasceu, Mulling se identificou com a história do morador de rua.
- Meu filho começou a usar cocaína com 16 anos e foi internado em várias clínicas. Hoje, com 24 anos, ele está há dois longe da droga. Acredito que ele (Pereira) pode ficar livre do vício também, basta querer ajuda - relatou o aposentado, que hospeda um ex-dependente químico na própria casa.
Pereira, que pensa em sair da rua e melhorar de vida, ficou emocionado ao saber das propostas:
- Eu só queria uma oportunidade - relatou ao pegar os contatos de quem se ofereceu para ajudar.
Pereira ajudou a socorrer vítima de estupro
Foi graças a Pereira e outros dois moradores de rua que a polícia conseguiu prender dois suspeitos de terem estuprado uma adolescente de 16 anos. Ao ouvir os gritos da vítima, ele e um amigo foram tentar socorrer a garota, enquanto outro correu à Delegacia para Criança e Adolescente Vítima de Delito, do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) para chamar a polícia. O crime aconteceu próximo ao Anfiteatro Pôr do Sol, por volta das 23h30min de domingo.
Quando Pereira foi ao local, um dos abusadores, que estava armado, ameaçou atirar nele, mas a polícia chegou.
Embora Marlon Patrick Silva de Mello, 25 anos, e Rodnei Alquimedes Ferreira da Silva, 56 anos, tenham sido presos em flagrante, o mais novo foi solto pela Justiça na terça-feira.
Segundo o juiz da 6ª Vara Criminal da Capital, Paulo Augusto Oliveira Irion, Mello vai responder em liberdade por ser réu primário. Ele deverá apenas comparecer em juízo regularmente e não se aproximar da vítima.
O segundo suspeito, conforme o juiz, deve permanecer preso até o julgamento, por já ter sido condenado por roubo com tentativa de estupro. Após o crime, a adolescente foi encaminhada ao hospital Fêmina, onde permaneceu internada até a tarde de terça-feira. Ela deve ser ouvida pela polícia nos próximos dias.
