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Já se somam 78 dias desde que se ouviu pela última vez a voz dos quatro tripulantes do veleiro argentino Tunante II. Era o início de uma tarde de terça-feira, e os navegadores contatavam os filhos a partir de um telefone via satélite. Pediam ajuda: a embarcação, já sem mastro, estava em meio a uma tormenta em alto mar, a cerca de 360 km de Rio Grande, no sul do Estado. As rajadas de vento chegavam a 140 km/h e as ondas atingiam oito metros de altura.
Desde aquele 26 de agosto, passaram-se mais de 1,8 mil horas. Buscas oficiais por mar e ar foram iniciadas, interrompidas, retomadas e suspensas mais uma vez. O Tunante II e seus ocupantes não foram encontrados. Confrontando o tempo e a imensidão do mar, no entanto, familiares dos tripulantes conservam a esperança.
- Enquanto houver qualquer resquício de chance de estarem vivos, enquanto não esgotarmos todas as possibilidades e procurarmos por todos os cantos que estiverem ao nosso alcance, não desistiremos - entoa em voz firme Luana Morales, 30 anos, filha de Horacio Roberto Morales, 63 anos, um dos velejadores do barco.
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Luana está em Porto Alegre desde segunda-feira. Ao lado da oftalmologista Giovanna Benozzi, 34 anos, filha do médico Jorge Benozzi e esposa de Mauro Cappuccio, 35 anos, que também estavam na embarcação, ela veio ao Estado para cumprir mais uma etapa da recente missão: uma busca por conta própria. Por terra, com o carro particular; por ar, com voos fretados.
As duas filhas de tripulantes e mais a namorada de Benozzi partiram de Buenos Aires na última sexta-feira. Cortaram o Uruguai e chegaram em La Pedrera. De lá, seguiram em direção ao norte do país, visitando comunidades de pescadores e entregando panfletos, para que entrem em contato caso avistem ou encontrem algo suspeito. Passaram por Rio Grande, devem ir para Tramandaí na quinta-feira e, assim que o tempo abrir, devem tomar voos desde o aeroporto de Guaíba e sobrevoar o litoral gaúcho em busca de evidências.
- Ninguém os procurou na costa. E isso nós podemos fazer. Existem muitos pontos que são desertos, inabitados, reservas ambientais e áreas de difícil acesso. Eles podem estar em algum desses lugares - sugere Giovanna, entusiasmada.
Elas explicam o otimismo a partir de uma sequência de fatos. O primeiro deles é a localização do veleiro, após a tormenta, por uma embarcação que passava próximo ao local. Os dois barcos teriam tido contato visual, mas o rebocador mandado pela Marinha Brasileira, que chegou após 72 horas no local, não encontrou o veleiro. O segundo é uma imagem de satélite de 28 de setembro, que motivou, mais de dez dias depois, a retomada das buscas no litoral brasileiro. Em 11 de outubro, um avião da Força Aérea Brasileira teria avistado um veleiro, com as mesmas características, próximo às coordenadas da imagem de satélite - mas outras naves, mandadas para rastrear a área, não o localizaram. Por fim, em 12 de outubro, um barco pesqueiro resgatou a balsa salva-vidas que pertencia ao Tunante II, a cerca de 320 km da costa de Tramandaí. Em seu interior, foram encontrados cédulas de pesos uruguaios, objetos pessoais e documentos de identificação.
- Não havia ferramentas, coletores de água, nem nada que pudesse indicar que se abrigaram ali. A base do bote, feita de um material refletor, não estava mais lá, e ela não teria se soltado sozinha. Além disso, o estado da balsa indicava que teria sido aberta há cerca de duas semanas. Sendo que, quando a encontramos, eles já estavam a deriva há mais de um mês - afirma Luana.
- Tudo indica que, por quatro vezes, estivemos muito perto de encontrá-los, mas por demora, burocracia ou coisas que nem sabemos explicar, acabamos não conseguindo - lamenta Giovanna.
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Os familiares afirmam que as forças aéreas e navais brasileiras, argentinas e uruguaias, ofereceram todo o apoio necessário. Segundo eles, "não faltou vontade" por parte de nenhum dos órgãos. Giovanna questiona, no entanto, se não teria tido nenhum veículo mais ágil do que um rebocador (que levou 72 horas para fazer o resgate de um barco em emergência. Pergunta-se também se, caso tivessem sobrevoado a área onde foi capturada a imagem de satélite, logo nos dias seguintes, eles já não estariam em casa. Dúvidas como essas dividem os dias entre altos e baixos. E se...?
Então, os familiares se lembram das quase 30 mil pessoas que fazem parte do grupo "Buscas pelo Tunante II", no Facebook, que diariamente mandam mensagens de apoio, mapeiam o mar via satélite e contribuem da forma que podem, acionando veículos de comunicação e autoridades. Os filhos se apoiam também em raras histórias de sobreviventes, de pessoas que passaram mais de 80 dias em alto mar e foram encontradas com vida. Mas e a alimentação?, perguntaria o mais cético. Eles respondem: havia varas de pesca no veleiro. Tudo leva o pensamento positivo adiante. É por isso que, se puder ser medida em uma escala, a esperança segue lá no topo.
- No nível 10 - garante Giovanna.
O que diz a Marinha Brasileira:
Sobre o resgate inicial
"Quando fomos alertados de que havia um veleiro à deriva, acionamos a embarcação mais próxima. Do início da tarde da terça-feira até as 4h da quarta-feira, um navio cargueiro manteve contato visual com o Tunante II. E permaneceu no local até a chegada do rebocador da marinha, na sexta-feira. Enquanto isso, aviões da Força Aérea Brasileira sobrevoaram a área desde quarta-feira, mas não encontraram vestígios", afirma a tenente Melina Brum Cezar Paim, do Comando do 5º Distrito Naval.
Sobre a demora para averiguação in loco das imagens de satélite
"Naquele momento, os indícios não nos levavam a retomar as buscas. Entramos em contato com uma embarcação que estava próxima às coordenadas da imagem de satélite, mas ela não avistava nenhum veleiro. Foram emitidos alertas para todos os navegantes da região, mas não houve indícios naquele momento", afirma a tenente Melina Brum Cezar Paim, do Comando do 5º Distrito Naval.