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Sem uma liderança centralizada no Rio Grande do Sul, os assaltantes de veículos - crime que mais preocupa a Polícia Civil, junto com homicídios - atuam de forma pulverizada e em pequenas associações, que formam uma rede criminosa de compra e venda de peças, tráfico de drogas e mortes. A prisão dos líderes de 15 grupos na manhã desta sexta-feira, junto às detenções de ontem da Operação Trinca-Ferro, mostram como os bandidos têm se organizado e alimentado o crime sem depender necessariamente de uma figura conhecida.
De janeiro a setembro de 2014, já são 10.144 roubos de veículos registrados, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Ao mesmo tempo em que assaltantes recebiam ordens do criminoso José Carlos dos Santos, o Seco, de dentro da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), por exemplo, pelo menos mais de 50 - detidos ao longo de cinco meses na Operação Predador - agiam por conta própria com extrema violência. Outros suspeitos devem ser recolhidos nos próximos dias em novas ofensivas.
Quando um ladrão enquadra uma vítima num roubo de veículo, ele sabe os locais onde pode vender as peças ou os traficantes com quem pode negociar. No caso de um assalto frustrado, o bandido geralmente procura um desmanche clandestino, longe do local do crime. A frustração ocorre quando o proprietário do veículo morre ou é ferido. Em São Leopoldo, foi descoberta uma vala de oito metros, onde eram despejadas carcaças queimadas para apagar evidências.
Em poucos segundos, bandido furtou caminhonete branca em São Leopoldo
- Os grupos são interligados de alguma forma. O foco hoje é o ladrão de rua, aquele que rouba à mão armada. Atrás dele, na espera, tem os receptadores e os que fazem extorsão e clonagem - explica o delegado Mario Souza, de São Leopoldo, que comandou a Operação Predador.
Os assaltantes costumam ser jovens violentos e empregam até mesmo a tortura se for necessário para arrancar o máximo de bens possíveis das vítimas. Segundo a polícia, há relatos de pessoas que levaram choques elétricos para revelarem onde guardavam joias e dinheiro. A tortura psicológica é frequente.
Se por um lado a ausência de uma quadrilha forte de ladrões de veículos no comando das demais evita grandes ações criminosas, por outro dificulta a investigação, já que são diversos assaltantes, traficantes e receptadores atuando de forma esparsa. Por isso, a polícia resolveu fazer uma série de operações para desmanchar a ponta criminosa que ataca na rua.
Na investigação Predador, foram 52 presos | Ronaldo Bernardi/Agências RBS
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- Eles roubam veículos na entrada e saída das casas ou em ruas distantes e resolvem também ir na residência da vítima para aumentar o ganho. Por isso, nosso foco é retirar o braço armado do crime da rua - complementa o delegado.
Mario Souza explica que os bandidos preferem atacar em São Leopoldo e desmanchar em Novo Hamburgo, ou roubar em Porto Alegre para entregar as peças em Canoas. Em algumas ocasiões, os veículos são trocados por drogas. Eles mudam as cidades para confundir a polícia.
Um carro pode custar de R$ 5 mil a R$ 15 mil, e uma extorsão de R$ 1 mil a R$ 30 mil. Antes chamados de "puxadores", esses assaltantes são considerados agora mais violentos porque diversificaram o roubo à mão armada, "onde pode acontecer o que é o pior, o assassinato", ressalta Souza.
- Todo mundo tem algum conhecido vítima disso. Infelizmente, preocupa muito. Estamos tentando reduzir os índices e segregar do convívio esses indivíduos. Juntamente com homicídio, é o crime que mais inquieta - salienta Guilherme Wondracek, chefe de Polícia.
"Já está no lucro, fica quieto"
Num domingo de dezembro de 2013, às 10h, um funcionário público de 31 anos que pediu para não se identificar foi surpreendido por dois ladrões quando estacionava seu carro para ir no Grêmio Náutico Gaúcho, clube que fica no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre. Sob a mira de armas, ele circulou por mais de 20 minutos com a dupla e foi deixado em Eldorado do Sul. Leia o relato dele a Zero Hora:
"Quando parei o carro, não percebi movimento na rua. Foi muito rápido. Os caras saíram de um carro que estava atrás do meu e me abordaram, armados. Um me calçou e mandou eu ir para o banco de trás. No trajeto, pedi para descer e falei que podiam levar o veículo, mas não queria ficar junto. Foi o momento mais crítico. Eles perguntaram o que eu fazia, onde estava indo, onde morava e trabalhava. Queriam me levar para casa. Aí você começa a pensar em um monte de coisas, vão fazer a limpa, ameaçar outras pessoas. Felizmente, as coisas se acalmaram e eu fui largado um tempo depois em Eldorado do Sul. Foi uma tortura psicológica, me disseram "fica quieto, tu já tá no lucro". Pensei que podiam em matar, me amarrar em um lugar."