Com base nos cadastros de Carteira de Nome Social (CNS), documento que reconhece a identidade de travestis e transexuais, os crimes mais sofridos por essa população foram mapeados no Rio Grande do Sul: quatro em cada dez ocorrências correspondem a ameaças ou agressões.
Levantados pela Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-RS), os dados inéditos cobrem um hiato de índices oficiais que indiquem a vitimização de pessoas trans. Como se restringem aos 487 portadores da CNS até setembro de 2014 - dentro de uma estimativa de 5 mil travestis e transexuais gaúchos, conforme estimativa da ONG Igualdade RS -, os dados ainda são um recorte inicial.
Segundo o estudo, ameaças representam 22% dos crimes que vitimaram a população trans ao longo de toda a vida, seguido de lesões corporais (18,8%), roubos (18,6%) e furtos (17,7%). O mapeamento também comparou as estatísticas de travestis e transexuais com as da população geral no ano de 2013 - e a semelhança entre os números chama a atenção.
- Os dados mostram que essa população é tão vulnerável quanto à população em geral, mas é ainda mais exposta nas questões afetivas - destaca o tenente-coronel Luís Fernando Linch, responsável pelo levantamento.
Chefe do setor de estatísticas da SSP, o oficial se refere às razões da violência sofrida por trans que predominam no estudo. Mais de 22% das ameaças são motivadas por separações, seguidas de transfobia (a discriminação contra pessoas transexuais e transgêneros), com 21,3% das causas. Já as lesões evocam a suscetibilidade daqueles que vivem no limiar entre o feminino e o masculino: discussões e brigas foram a razão para 42% das agressões, à frente de transfobia (11%), de separações (10%) e de ciúmes e traição (10%).
- Faz parte dessa quebra de fronteiras de gênero a questão da violência porque os travestis, ao mesmo tempo em que têm uma proteção do feminino, reagem a essas agressões com um corpo que é masculino, com uma força bem maior à das mulheres. A briga faz parte desse universo travesti que, historicamente, teve de se defender dessa ameaça no espaço público - avalia a antropóloga Daniela Riva Knauth, professora do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A professora destaca que, assim como as separações motivam a maior parte das ameaças a travestis e transexuais, mulheres tendem a sofrer a mesma vulnerabilidade nas relações. Porém, protegidas pela Lei Maria da Penha, quem nasceu do sexo feminino pode solicitar medida protetiva para se manter distante do agressor - aquelas que nasceram homens e adotam a identidade de uma mulher não tem o mesmo direito.
Ideia é ampliar o levantamento
Na apresentação do estudo na tarde desta quinta-feira, na reunião do grupo de trabalho de segurança pública para LGBT do Estado, será incentivada a colaboração de ONGs e universidades para ampliação do mapeamento. Para secretário da SSP, Airton Michels, a violência contra travestis e transexuais ainda é um problema a ser enfrentado, mas ele acredita que vem diminuindo nos últimos anos.
- É possível que sejam casos motivados pelo preconceito, ou que essas pessoas, como todo o grupo que se diferencia dos demais, tenda a ser um grupo conflituoso com os outros e que, pela rejeição que tem da sociedade, passa por momentos difíceis - aponta.
Além de políticas como a instituição da carteira que reconhece o nome social e a criação de uma ala LGBT no Presídio Central, uma das ações previstas pelo atual governo é a inclusão de um marcador nas ocorrências policiais para identificar crimes sofridos por homossexuais, travestis e transexuais. A iniciativa auxiliará no levantamento de estatísticas, mas ainda não tem previsão para vingar.
* Zero Hora