
No ano em que o Laboratório Farmacêutico do Estado do Rio Grande do Sul (Lafergs) completou 40 anos de existência e uma década de inoperância, parte do maquinário espalhado pela estrutura de 3 mil metros quadrados finalmente voltou a funcionar. Mas por pouco tempo. Em março, o Lafergs produziu um lote experimental de 50 quilos de cloroquina (um medicamento para tratar malária) e o encaminhou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na tentativa de obter o registro do fármaco. Devido à paralisia que perpassa governos, o laboratório perdeu todas as licenças dos remédios que fabricava até 2004, e a retomada da produção depende principalmente dessa recomposição de portfólio.
Zero Hora retornou ao laboratório 15 meses após a publicação de reportagem que expôs o histórico de descaso com a estrutura, cujas obras de modernização e ampliação, iniciadas em 2004, atrasaram seis anos e custaram o dobro do previsto. A reportagem constatou que, apesar dos esforços do atual governo, os avanços obtidos no último ano foram tímidos, e a promessa de reativar a fábrica em 2014 não se concretizou. Enquanto isso, mesmo sem operar, o Lafergs consumiu R$ 31,15 milhões dos cofres públicos nos últimos 10 anos, em valores corrigidos. Até outubro deste ano, foram desembolsados R$ 749 mil, sendo 54,5% desse valor gasto com conservação de bens.
O conjunto de restrições imposto pelo período eleitoral foi um dos obstáculos encontrados na reta final do governo, que impediu, por exemplo, a troca de figura jurídica. No fim do ano passado, a Assembleia Legislativa aprovou projeto que autoriza o Executivo a transformar o laboratório - hoje, um departamento da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps) - em uma empresa pública, sob a forma de sociedade anônima. Mas a efetivação da medida, considerada vital para a reinauguração da fábrica, teve de ser protelada em razão da campanha - a lei eleitoral restringe a nomeação e a contratação de servidores.
De acordo com o diretor do Lafergs, Paulo Mayorga, a fabricação de medicamentos ou cosméticos dificilmente será retomada enquanto a mudança de figura jurídica não ocorrer. Ele não descarta a possibilidade de a empresa ser criada ainda neste ano, mas reconhece que a medida depende de um acordo com a equipe de transição do governador eleito José Ivo Sartori (PMDB).
- O projeto teve uma aceitação muito boa, prova disso é que foi aprovado por unanimidade na Assembleia. Isso demonstra que há uma leitura coesa e coerente dos desafios que teremos pela frente. A criação da empresa pública é o fato mais importante de todo esse processo - afirma Mayorga.
Projeto de reforma não considerava novas regras
Ex-secretário de Planejamento do governo Germano Rigotto, o coordenador do plano de governo de Sartori, João Carlos Brum Torres, disse que a tendência é dar continuidade à proposta aprovada pelos deputados. Ele ressalta, no entanto, que o tema ainda precisa ser debatido pelo novo governo.
- Em princípio, somos simpáticos ao projeto. Nos governos Britto e Rigotto, tentamos melhorar as condições do Lafergs - disse.
Quando o laboratório fechou as portas, em 2004, no governo Germano Rigotto (PMDB), a promessa era de que a fabricação de remédios para distribuição e comercialização na rede pública fosse paralisada somente por 60 dias. O prazo seria necessário para que fossem executadas as reformas que permitiriam triplicar a capacidade produtiva da estrutura e ampliar a receita de R$ 830 mil para R$ 14 milhões, em valores da época.
As obras no laboratório foram concluídas em 2010, mas sem condições de operacionalidade. Isso porque o projeto inicial, elaborado em 1999 e revisado em 2003, não levou em consideração novas normas da Anvisa, que entraram em vigor naquele ano.
O Lafergs foi inaugurado em 1974, no governo Euclides Triches, com o objetivo de produzir medicamentos para atender aos programas de saúde, com distribuição na rede pública
Governo Rigotto (2003-2006)
Em setembro de 2004, a fábrica foi fechada para que fossem executadas as obras de ampliação. Uma empresa foi contratada por R$ 4,5 milhões, com prazo de trabalho de 120 dias.
O então secretário da Saúde, Osmar Terra, chegou a inaugurar parte das instalações físicas em março de 2006. A expectativa era de que ainda naquele ano fosse retomada a produção, mas as obras não foram concluídas.
Governo Yeda (2007-2010)
Por conta do atraso na construção, o contrato de execução foi rescindido em 2007. No ano seguinte, outra empresa venceu a licitação de R$ 3,2 milhões, com prazo de 180 dias para conclusão dos serviços.
Em dezembro de 2010, foi inaugurada a obra de ampliação, mas ainda sem garantir a retomada da produção.
Na época, o governo calculava ter investido R$ 10 milhões para que o laboratório voltasse a produzir medicamentos de acordo com as normas da Anvisa.
Governo Tarso (2011-2014)
Em 2011, o Lafergs obteve da vigilância sanitária a condição técnica operacional, documento essencial para o encaminhamento da aprovação de novos registros de medicamentos na Anvisa. Devido à prolongada inoperância, o Lafergs perdeu o registro de 12 remédios produzidos até 2004.
No ano passado, Lafergs, Ministério da Saúde e Laboratório Farmacêutico Cristália, de Itapira (SP), assinaram parcerias de desenvolvimento produtivo de três medicamentos para tratamento da malária e da leishmaniose. A ideia é apostar em remédios que não despertam o interesse de laboratórios privados. A produção seria, inclusive, vendida para o Ministério da Saúde.
A ideia é que, após a liberação da Anvisa, a produção comece no parceiro privado e seja transferida para o Rio Grande do Sul em até dois anos.
Protetor solar é promessa para próximo ano
No ano passado, a expectativa do então secretário da Saúde, Ciro Simoni, era a de que a reativação do laboratório - tida como uma das prioridades da gestão de Tarso Genro - ocorresse ainda em 2014, com a produção de protetor solar. A fabricação, além da facilidade de registro, teria como objetivo atender à lei estadual que determina distribuição gratuita a agricultores familiares, devido à elevada incidência de câncer de pele no Estado.
Como a entrega do primeiro lote de 300 mil frascos adquirido pelo Estado acabou atrasando, devido a restrições impostas pela legislação eleitoral, a largada da produção do protetor no Lafergs também teve de ser revista. Agora, a expectativa é de que o início da fabricação no laboratório ocorra no segundo semestre do ano que vem. Mas, antes disso, será preciso investir cerca de R$ 200 mil em uma linha para produção e envase e, também, transformar o Lafergs em uma empresa pública. A fórmula do produto e os testes estão sendo feitos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), resultado de um acordo de cooperação firmado entre o laboratório e a instituição no ano passado.
Em 2015, o Lafergs também deve encaminhar à Anvisa pedido de registro de outros 15 medicamentos. Isso será possível graças a uma parceria estabelecida no ano passado com o laboratório Multilab (Grupo Takeda). A iniciativa prevê transferência de tecnologia, permitindo que o Lafergs recupere sua carteira de produtos.
- As coisas são lentas mesmo. Apesar de a área farmacêutica ser muito dinâmica como mercado, tem barreiras de entrada muito grandes. As PDPs (Parcerias de Desenvolvimento Produtivo) permitem ter dossiê de registro de seis meses a um ano, depois de peticionado na Anvisa, por serem produtos considerados prioritários. Pelo caminho convencional, passaria de três a quatro anos esperando resposta - explica o diretor do Lafergs, Paulo Mayorga.