
Antes de cruzar a porta do gabinete, Pedro Simon (PMDB-RS) mantém um rito: passa os dedos nos pés do Cristo crucificado. No caminho até o corredor, toca em um quadro com a imagem de Jesus. Liturgia repetida pela última vez na noite da quarta-feira, 17 de dezembro, em meio a pacotes, caixas e pilhas de livros. Após 32 anos em quatro mandatos, Simon se despede do Senado.
Parte da história das seis décadas de carreira política do gaúcho de 84 anos, que também foi vereador, deputado estadual, governador e ministro, está no gabinete que ocupou desde 1999 (antes utilizava outro), localizado no andar inferior à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), um espaço dotado de sete salas, copa, biblioteca e três banheiros.
Em dezembro, Simon encaixotou pertences e distribuiu mimos. Funcionário do gabinete, Zé Rodrigues ganhou um dos terços que o senador carregava. A parte virtual das memórias ficou em um arquivo digital com 60 gigabytes, enquanto mais de 200 volumes com documentos, cartões e livros serão enviados para o escritório de Porto Alegre. Duas Bíblias, 24 imagens de santos (a maior parte de São Francisco) e uma foto com o papa João Paulo II também seguirão viagem.
- Sugeri à dona Ivete (mulher do senador) contratar uma bibliotecária para organizar o material. É uma vida inteira - afirma já saudosa Eurítima Félix, chefe do gabinete do parlamentar.
O garimpo nas lembranças rememorou histórias vividas no Senado, onde Simon desembarcou em 1979, quando já percorria o país com Teotônio Vilela em defesa da anistia. Tribuno vibrante na oposição ao regime militar (1964-1985), viveu no Congresso a aflição para evitar a extinção do MDB com o fim do bipartidarismo. A articulação viabilizou a criação do PMDB em 1980.
- Fui até o doutor Ulysses (Guimarães), que não falava, estava arrasado. Sugeri chamarmos uma convenção e pedir para ninguém se filiar em outro partido. O MDB não morreu - recorda.
Depois de um período em que foi ministro durante o governo José Sarney - mas escolhido por Tancredo Neves -, e governador gaúcho, Simon retornou eleito ao Senado em 1991. No ano seguinte, ajudou a bancar a CPI do PC Farias, que derrubou o então presidente Fernando Collor. Após, virou alicerce da sustentação de Itamar Franco na Presidência. Líder do governo, teve papel importante na aprovação do Plano Real.
Discurso de despedida do Senado foi feito em 10 de dezembro
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Vigília até chegar aval para o Estado
Reeleito em 1998 e 2006, o gaúcho manteve a bandeira da ética. Em discursos, atacou desvios de tucanos, petistas e do próprio PMDB. Da tribuna, também protagonizou uma prova de resistência física e de oratória. Em 2008, aos 78 anos de idade, falou por cerca de seis horas até o envio de uma mensagem do Planalto que autorizava o empréstimo de US$ 1,1 bilhão ao governo gaúcho no Banco Mundial. A maratona foi batizada de Vigília pelo Rio Grande.
- Quando chegou a mensagem, a fome e o cansaço foram embora - lembra o político, que guarda no gabinete um arquivo com notícias do episódio.
O gabinete no Senado reúne fotos de Eduardo Campos e Marina Silva. Em 2013, após a negativa de criação da Rede, Simon telefonou para Campos (então concorrente ao Planalto) e abriu a porta para Marina ser a vice na chapa do PSB. O turbilhão da morte trágica do socialista colocou o senador outra vez nas urnas. Em outubro, perdeu a chance de emplacar o quinto mandato. A vaga será ocupada por Lasier Martins (PDT).
Após tantas histórias, foi preciso uma despedida em prestações. Ao caminhar pelos corredores, Simon era parabenizado por servidores, colegas e visitantes da Casa. Em 10 de dezembro, por cinco horas, proferiu um discurso de adeus, aparteado por 36 colegas:
- Onde vi repressão, lutei para levar liberdade. Onde vi tirania, lutei para levar democracia. Onde vi corrupção, lutei para levar ética. Onde vi impunidade, lutei para levar justiça.
Aplaudido de pé, o tribuno recebeu uma miniatura em madeira do Congresso, com o microfone e a placa que ficavam em frente a sua cadeira no plenário. Uma semana depois, foi à marcenaria do Senado agradecer.
No mesmo dia, falou pela última vez na despedida de Eduardo Suplicy (PT-SP). Discursou, emocionou-se e voltou ao gabinete para depois partir. Agora, o gaúcho quer percorrer o país outra vez. Nos Encontros com Pedro Simon, pretende levar a palavra de um octogenário que não dá trégua a sua militância.
- Quero falar com a juventude. Ela não pode desistir da política - diz Simon.
Hábitos simples e orações no dia a dia
Em quatro mandatos como senador, Pedro Simon criou uma rotina discreta nos momentos fora da política. Cotidiano de hábitos simples e muita oração, repetidos em suas últimas semanas de Brasília. No dia 15 de dezembro, depois de lançar na Esquina Democrática, em Porto Alegre, o livro O Papa Francisco, Marina Silva, os Black Blocs e a Petrobras, o parlamentar desembarcou à noite na capital federal. Do aeroporto Juscelino Kubitschek, seguiu para o Santuário do Santíssimo Sacramento, perto de um dos setores de embaixadas da capital.
Aberto 24 horas, o local virou um dos espaços das orações diárias de Simon. De preferência, passava pelo local no início da manhã, antes de ir ao Senado. Membro da Ordem Terceira de São Francisco, o parlamentar também se tornou frequentador assíduo de missas em diferentes igrejas. Seu motorista carregava no carro oficial, um Renault Fluence, o guia com os horários das celebrações.
Na hora das refeições, o local preferido era o apartamento funcional, na quadra 309 Sul. Por vezes, oferecia jantares, como nas boas-vindas aos colegas de bancada Paulo Paim (PT), em 2003, e Ana Amélia Lemos (PP), em 2011. O senador não se intimida com tempero forte.
- Como o Simon tem origem libanesa, a comida árabe é saborosa. Ele é um gentleman - elogia Paim.
Cachorro-quente na frente de casa
Os gostos surpreendem inclusive os funcionários. O motorista Leonardo Amorim da Silva, 36 anos, quase não acreditou na primeira vez que Simon pediu para estacionar na pizzaria Dom Bosco, famosa em Brasília por vender fatias a R$ 2,50 que trazem massa, queijo e molho de tomate. Outro destino é a carrocinha de cachorro-quente em frente ao apartamento funcional. Na calçada, Simon devora o lanche sem molho, apenas com pão, duas salsichas e mostarda.
- Ele come de tudo. Senta e fica contando histórias. Vou sentir falta das conversas - diz Leonardo.
A agenda de Simon ainda reserva um último compromisso em Brasília antes do fim do mandato. Na semana de 12 a 16 deste mês, durante o recesso parlamentar, ele terminará o desmonte do gabinete e entregará o apartamento funcional. A despedida derradeira do Senado.
A trajetória política de Simon
Pedro Jorge Simon nasceu em 1930, em Caxias do Sul. Venceu a primeira eleição em 1959 e se tornou vereador no município. A partir de 1962, elegeu-se quatro vezes deputado estadual. Foi ministro da Agricultura em 1985 e governador do Estado entre 1987 e 1990. Elegeu-se senador quatro vezes.
A vida no Senado
A história de Simon no Senado começou em 1978, quando ele se elegeu senador pelo MDB. Voltou à Casa nas eleições de 1990, depois de deixar o governo do Estado, e se reelegeu em 1998 e em 2006. Nas eleições deste ano, ficou em terceiro lugar. Encerrará seu mandato em 31 de janeiro de 2015.
Governador: posse de Pedro Simon como 30º governador do Estado, em março de 1987, no Palácio Piratini
