
Se você teve a impressão de que 2014 foi um ano de embates ideológicos, guerras e intransigências, saiba que isso ficou desenhado no mapa que fica para 2015.
O planeta sofreu alterações nos seus contornos, com divisas novas na Ucrânia e, a partir do terror transnacional, limites ignorados no Oriente Médio. A Ucrânia perdeu a Crimeia para a Rússia e viu separatistas pró-russos tomarem prédios oficiais com apoio de homens bem treinados e, suspeitase, provenientes do país presidido por Vladimir Putin.
Também o grupo terrorista Estado Islâmico (EI) esculhambou a geografia do poder na Síria e no Iraque, criando um autoproclamado califado (regime que remete aos primórdios do islamismo) em cidades importantes e submetendo populações ao rigor do jugo fundamentalista.
A professora de Direito Internacional Deisy Ventura, da Universidade de São Paulo (USP), conceitua fronteiras como "limites políticos que podem coincidir ou não com um acidente natural" e levanta um dado perturbador:
- Segundo a Anistia Internacional, mais de 90% dos conflitos armados hoje são guerras civis. Grande parte é financiada ou encorajada por outros Estados, ou entidades transnacionais ou estrangeiras. Ao perdurarem, tornam-se cada vez mais complexos, facções dentro de facções, alianças instáveis, como no caso da Síria.
Possivelmente passe por esse raciocínio a explicação para fenômenos do tipo em 2014. Antes, houve mudanças resultantes do colapso da União Soviética, no fim dos anos 1980. Além dos países que um dia integraram a URSS, foram os casos da Alemanha reunificada, Checoslováquia e Iugoslávia. Também houve Kosovo, separado da Sérvia, e Ossétia do Sul, autoproclamada independente da Geórgia.
Michel Foucher, geógrafo do Colégio de Estudos Mundiais de Paris, disse, para a agência de notícias France Presse (AFP), sublinhando um arrefecimento das fronteiras:
- O princípio de inviolabilidade das fronteiras, adotado pela Ata de Helsinque em 1975 e confirmado pela Conferência de Paris em 1991, não foi respeitado primeiro pela Sérvia, já que o Kosovo foi separado à força, e depois com a anexação da Crimeia e as ingerências russas furtivas, embora reais, no leste da Ucrânia.
Deisy pondera:
- Dizer que o conceito de fronteira arrefeceu é complicado, por exemplo, quando a gente pensa nos migrantes que não conseguem entrar nos Estados Unidos ou na Europa, ou nos que conseguem entrar nos países do sul, como o Brasil, mas depois não conseguem a regularização migratória e ainda menos a inclusão social. Para os migrantes, as fronteiras são algo mais forte do que nunca.
No caso da crise ucraniana, porém, é inequívoco: ela pôs em xeque, de um lado, os limites orientais da União Europeia, e de outro, os da Rússia. Tanto que outras ex-repúblicas soviéticas, como a Moldávia, temem que a Rússia busque uma nova ordem europeia e redesenhe suas fronteiras.
Para o analista de assuntos estratégicos André Luís Woloszyn, as fronteiras têm sido "irrelevantes".
- Oficialmente, sabemos que 5 mil ocidentais aderiram ao EI. Extraoficialmente, fala-se em 15 mil. São pessoas entre 18 e 35 anos. E há os lobos solitários, que agem sem responder a organizações.
Para Deisy, "fronteira é algo mais complexo do que foi no passado":
- O que ocorre é o que o filósofo Frédéric Gros, num livro brilhante, chama de "Estados de violência", que incluem tanto os conflitos armados que raramente terminam embora formalmente resolvidos (por exemplo, países que sofreram intervenção, como Afeganistão, Iraque e Líbia), como a violência difusa, no sentido de crescente violência, em casos com estatísticas de guerra civil, em locais onde não há conflito armado declarado.