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A Operação Lava-Jato terá duas prioridades após a permissão para nove executivos envolvidos no cartel que desviava recursos da Petrobras deixarem a carceragem rumo à prisão domiciliar.
De um lado, a investigação acelerará os inquéritos e denúncias sobre corrupção nas diretorias de Serviços, Internacional e de Abastecimento da Petrobras. De forma paralela, a força-tarefa da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) ampliará as apurações de suspeitas para fora da estatal do petróleo.
MPF denuncia mais dois envolvidos na Lava-Jato por atrapalhar a investigação
Nove executivos presos pela Lava-Jato vão para a prisão domiciliar
Participantes da operação garantem que as investigações estão "diversificadas", com apurações no setor elétrico e no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), áreas em que atuavam as mesmas empreiteiras do cartel da Petrobras. Também está no radar a área de Comunicação da Petrobras, por onde passam verbas de publicidade da estatal.
Na 11ª fase da Lava-Jato, o foco já havia sido estendido para fora da área do petróleo. O ex-deputado federal André Vargas (ex-PT-PR) foi preso por suspeita de comandar um esquema de desvio de recursos da publicidade da Caixa Econômica Federal e do Ministério da Saúde.
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de mandar para casa os executivos presos desde novembro frustrou procuradores da República e delegados federais, mas afirmam não enxergar o novo cenário como uma derrota.
- O STF reconheceu a necessidade de que esses empresários fiquem submetidos a uma medida diversa, a prisão domiciliar, com tornozeleira e sem poder trabalhar nas empresas - pondera um procurador da República.
O maior revés à operação, com a soltura dos nove empresários, é a perda de um instrumento de pressão - as prisões - para o acerto de novas delações premiadas. Até o momento, 16 delatores fizeram acordos decisivos para a descoberta de detalhes dos esquemas na Petrobras.
Por liberdade, João Vaccari Neto aceita usar tornozeleira
Um dos suspeitos que têm acenado com confissão e aumento no leque de relatos sobre corrupção é o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, apontado como coordenador do cartel que monopolizava negócios com a Petrobras. Ao recepcionar Pessoa na quarta-feira na saída da carceragem da PF em Curitiba, o seu advogado, Alberto Toron, disse que continua a existir a possibilidade da delação premiada por parte do cliente, interessado em reduzir a pena ao final dos processos.
Pessoa já conversou com integrantes do MPF. Pelo menos seis delatores apontam ele como o "capo di tutti cappi" (chefão dos chefões) no esquema mafioso de negócios superfaturados envolvendo a Petrobras. Ele é reconhecido como um dos principais conhecedores dos meandros e envolvidos no esquema.
Pessoa já responde a dois processos, por lavagem de dinheiro e corrupção. A expectativa, entre os investigadores, é de que o juiz Sergio Moro dê a sentença em um dos casos em até dois meses. Mais dois processos devem ser abertos em breve, um dos quais por cartel.
Na queda de braço, enquanto Toron fala em negociar a delação do cliente, delegados e procuradores consideram a hipótese pouco provável. A avaliação é de que Pessoa se mostrou disposto a contar poucas coisas nas reuniões em que trataram do assunto.
O delegado gaúcho Luciano Flores de Lima, um dos destacados pela PF para atuar na Lava-Jato, avalia que o grande benefício almejado pelos delatores não é ficar fora da cadeia agora, durante as apurações, mas depois de emitida a sentença.
- Eles sabem que as penas serão pesadas e, por isso, alguns vão colaborar. A maioria, para redução da sentença. Outros podem até ganhar perdão judicial. É isso que miram.
Outros advogados comemoram a soltura dos clientes sem acenar com delação. Reclamam que a Justiça Federal do Paraná só tem liberado os acusados que fazem colaboração premiada e enxergam na decisão do STF um recado ao juiz Sergio Moro: é hora de dar um freio no ritmo de prisões.
Detido desde o dia 15 de abril, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto pediu na quarta revogação da ordem de prisão preventiva assinada por Moro. Como "derradeira argumentação", o petista sugere ao magistrado federal a adoção de uma medida cautelar, "especialmente aquela que dispõe sobre a concessão de liberdade vigiada por meio de tornozeleira eletrônica, medida que abranda e afasta o rigor extremo desta prisão preventiva, que se mostra injustificada".
Prisões são foco de debate
Os empreiteiros, que nunca tinham sido trancafiados, de uma hora para outra foram colocados em celas da PF, partilhadas por até oito pessoas. Nelas, um só vaso sanitário. Para garantir privacidade, foram improvisadas divisórias com cobertores entre a privada e as camas. Os executivos se queixaram de dormir no chão, sobre colchonetes. Alguns precisaram de atendimento psicológico, contra depressão.
Esses fatores, aliados a provas, levaram 16 suspeitos a fazer delação premiada. Advogados de suspeitos já haviam manifestado que as prisões eram arbitrárias por se estenderem por meses sem que haja uma condenação. Seria, na avaliação de juristas, uma extensão abusiva das prisões preventivas.
"Não se nega que a sociedade tem justificadas e sobradas razões para se indignar com notícias de cometimento de crimes como os aqui indicados. Mas a prisão preventiva não deve antecipar juízo de culpa ou de inocência, nem equivaler à pena, nem ser justificada pela possibilidade de fuga dos envolvidos, sem indicação de atos concretos que eles possam descumprir a lei", escreveu o ministro do STF Teori Zavascki, relator do habeas corpus que libertou os nove empresários. O ministro afirmou ainda que utilizar a prisão preventiva para forçar a delação representaria uma medida "medievalesca", mas disse que isso não ocorreu nesse caso.
Colega de Teori, Marco Aurélio Mello disse na quarta que a revogação das prisões representa "enorme decepção" para a sociedade, mas defendeu o resultado.
- A liberdade não é passível de devolução e não se pode ter execução de pena hipotética, precoce e açodada. Vamos corrigir o Brasil, mas avançar com cautela - afirmou o ministro.
O procurador regional da República Antônio Carlos Welter ressalta que as detenções não eram o principal instrumento de busca da delação:
- A prisão não é um elemento decisivo. Vários dos acordos foram feitos sem a prisão do colaborador. Pedro Barusco (ex-gerente da Petrobras) veio até nós, apresentou-se e disse que queria colaborar. O que efetivamente tem sido decisivo nas colaborações é a existência de prova contra o colaborador e a sua vontade de não ser condenado.
Quem está preso
Adir Assad (empresário e lobista)
Alberto Youssef (suposto operador do esquema)
André Vargas (ex-deputado federal do PT)
Dario Galvão (presidente do Grupo Galvão)
Fernando Soares (suposto operador do PMDB no esquema)
Guilherme Esteves (suposto operador de propina)
Iara Galdino (suspeita de lavagem de dinheiro)
João Vaccari (ex-tesoureiro do PT)
Luiz Argolo (ex-deputado federal do SD)
Mario Gois (suposto operador de propina)
Nelma Kodama (suspeita de lavagem de dinheiro)
Nestor Cerveró (ex-diretor da Petrobras)
Pedro Corrêa (ex-deputado federal do PP)
Renato Duque (ex-diretor de Serviços da Petrobras)
Ricardo Hoffman (ex-diretor da agência Borghi Lowe).
Quem foi solto
Agenor Medeiros (diretor da área internacional da OAS)
Erton Medeiros Fonseca (diretor de negócios da Galvão Engenharia)
Gerson de Mello Almada (vice-presidente da Engevix)
João R. Auler (presidente do conselho de administração da Camargo Corrêa)
José Aldemário Pinheiro Filho (presidente da OAS)
José Ricardo Breghirolli (funcionário da OAS)
Matheus Sá Oliveira (vice-presidente do conselho administrativo da OAS)
Ricardo Pessoa (presidente da UTC Engenharia)
Sérgio Cunha Mendes (vice-presidente da Mendes Junior).
Os motivos
Por que estavam presos: os executivos estavam presos por uma série de razões, como evitar que coagissem ou subornassem testemunhas, destruíssem provas, combinassem versões com depoentes soltos, mexessem em contas suspeitas de abrigar dinheiro da corrupção e que voltassem ao comando das empresas.
Por que foram soltos: no Brasil, prisão antes da condenação é exceção, e não regra. Além disso, pesaram os direitos individuais. Os suspeitos não possuem antecedentes criminais, têm domicílio conhecido e emprego, o que torna improvável a fuga. A Justiça optou por recolher os passaportes.