
Incluídas pelo governador José Ivo Sartori em um pacote de iniciativas projetadas para diminuir despesas e elevar receitas, as privatizações de instituições públicas, em análise no núcleo do Piratini, representam um caminho longo e difícil. Diversas etapas políticas e técnicas precisam ser cumpridas antes do lançamento do edital, como plebiscito, votação na Assembleia, contratação de consultorias e elaboração de complexos estudos de mercado. Percorrer esse extenso roteiro, bancando custos, não é garantia de sucesso: dentre as estatais que o governo pretende vender, parte delas, obsoletas e endividadas, deverá ter dificuldade para atrair compradores.
Governo Sartori aguarda parecer para efetivar privatizações
O Piratini está convencido de que é preciso reduzir o tamanho da máquina pública, enxugar gastos e repassar à iniciativa privada atividades que, hoje, não são mais consideradas de fundamental execução pelo Estado - como afirmou o governador em recente entrevista ao colunista David Coimbra. Apesar da convicção de que precisará recorrer às privatizações, o governo ainda estuda quais empresas serão colocadas à venda. Avalia quando e como dar início aos procedimentos. Até o momento, a única resolução é de que o Banrisul não fará parte da lista.
Contra crise, Sartori admite que precisará privatizar estatais
Nos bastidores, as estatais mais citadas são Companhia Rio Grandense de Artes Gráficas (Corag), Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH), Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps) e Fundação Zoobotânica, responsável pelo zoológico de Sapucaia do Sul e pelo Jardim Botânico da Capital.
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A Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa) também deve ser incluída na lista de prioridades de negociação, mas, antes, o Piratini fará uma tentativa de repassá-la à União via federalização - iniciativa que resultou em fracasso no governo Tarso Genro.
- As joias da coroa já foram. As empresas públicas que hoje fazem parte do governo não têm, necessariamente, perspectiva de rentabilidade - avalia Fernando Ferrari, professor do curso de Economia da UFRGS, referindo-se à venda das estatais mais valiosas, como a antiga CRT e parte da CEEE, nos anos 1990, no governo Antônio Britto.
- O risco é ter uma vitória de Pirro (obtida a alto preço, com possíveis prejuízos futuros). Gastar com plebiscito, publicidade e consultorias para fazer muito pouco caixa - completa Luciano Timm, advogado e professor de Direito Econômico na Unisinos, lembrando que "grandes players estão descapitalizados em razão da Lava-Jato e bancos estão segurando financiamentos".
Confira um raio X na folha salarial de empresas do Estado
Mesmo com a ameaça de encontrar poucos interessados ou de captar limitados recursos, especialistas acreditam que o processo é válido.
- Algumas das estatais são fábricas de processos trabalhistas e acumulam passivo - afirma Marcelo Portugal, professor de Economia da UFRGS.
Na análise de Portugal, alienar estruturas problemáticas significaria ao menos redução de custos futuros - alguns dependem de remessas do Tesouro. A partir desse raciocínio, avalia que, caso não surjam interessados do setor privado, as desativações podem ser uma alternativa. Depois de findadas as atividades, o governo poderia se capitalizar com a venda dos ativos, como terrenos - muitos em áreas privilegiadas - e máquinas.
- Quem irá comprar a Corag? Para quê? É preciso ser realista com o mercado. Acredito que, em muitos casos, não haverá interessado, seja porque a iniciativa privada já atua no ramo e faz melhor ou porque se trata de um negócio que não faz mais sentido, com estruturas arcaicas - avalia Wladimir Omiechuk, sócio da KPMG, consultoria com atuação em diversos países.
Alienações podem se transformar em armadilhas
Especialistas são unânimes ao afirmar que, sozinhas, as privatizações pretendidas pelo governo Sartori não são capazes de resolver a crise econômica do Estado, com déficit mensal de R$ 400 milhões. O primordial, salientam, seria equilibrar receitas e despesas.
- Vender essas empresas, pequenas para atingir os objetivos, só faria sentido se viesse dentro de um plano maior de reforma do Estado - destaca Wladimir Omiechuk, sócio da KPMG.
Nesse ponto, alertam, as alienações podem acabar sendo armadilhas, com o gasto do dinheiro arrecadado em contas cotidianas. O déficit voltaria à tona logo adiante.
- O foco tem de ser o gasto corrente. A receita de privatização só cai uma vez na conta, depois não se consegue vender as mesmas empresas de novo. A previdência e a folha de pagamento são muito caras. Enquanto não ajustar isso, não haverá solução definitiva - acrescenta o economista Marcelo Portugal.
Para o advogado Paulo Caliendo, especializado em direito tributário e governança, a diminuição da máquina pública poderá aumentar a eficiência do Estado, com os focos político e orçamentário mirando os serviços essenciais: saúde, educação e segurança. Caliendo avalia que seria prudente excluir também a CEEE, junto com o Banrisul, de qualquer possibilidade de privatização neste momento. Como argumento, cita, além dos serviços prestados ao cidadão, muitos deles arraigados em todo o Estado, a conjuntura econômica:
- São empresas que poderiam trazer um ganho muito significativo. Agora estamos em baixa de mercado, não é o momento adequado para a venda.
Entre as estatais que despertariam interesse, estão Corsan e Procergs. A primeira, que trata e distribui água e cuida do saneamento em municípios, traria consigo uma batalha ideológica sobre o repasse à iniciativa privada, que aufere lucro, da exploração de um recurso natural essencial para a vida.
- É um bem que tende a ser escasso, certamente haveria interesse. Os investidores apostam bastante em saneamento, tratamento e fornecimento de água - analisa o professor Luciano Timm.
Na Assembleia, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo PT tentou proibir a privatização de serviços de água no Rio Grande do Sul, mas acabou derrotada.
Para o advogado Ricardo Giuliani Neto, atuante em direito empresarial e governamental, a alienação da Procergs seria o único caso de possível impedimento, por não atender ao interesse público. A empresa é depositária de informações tributárias no Estado, o que poderia gerar riscos aos sigilos fiscais. Além disso, por trabalhar com tecnologia, é considerada uma empresa de excelência, adaptada aos novos tempos, sem justificativa consistente para ser vendida. A Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás) estão sob análise no Piratini.
- Hoje se discute a situação da Petrobras, que está reduzindo investimentos e propõe a venda de parte dos seus negócios. No Rio Grande do Sul, poderia ser acompanhado esse movimento. Os ativos ficariam mais valorizados se fizessem parte de um projeto nacional - explica Omiechuk, indicando que a Sulgás poderia ser negociada ao mesmo tempo que subsidiárias da Petrobras.



