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Em novembro, um grupo de taxistas espancou um motorista do Uber. Em dezembro, um taxista foi preso depois de assaltar pedestres. Em janeiro, outro grupo de taxistas envolveu-se em uma briga com funcionários de um estacionamento. Não bastou a sequência de fatos em Porto Alegre: precisou que taxistas se tornassem os principais suspeitos da morte de uma pessoa para que a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) anunciasse uma fiscalização mais dura à categoria.
O trabalho divide-se em duas frentes. Primeiro, a revisão dos cadastros dos 10,3 mil motoristas autorizados a dirigir táxis em Porto Alegre. Segundo, a intensificação de abordagens aos veículos. O diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, promete "limpar" o sistema na cidade.
– O importante é que temos de tomar medidas mais rigorosas e que iremos limpar o serviço de táxi na Capital – afirmou Cappellari (confira mais trechos da entrevista a ZH abaixo).
Não será mais concedida a permissão aos motoristas que forem alvo de investigações policiais (anteriormente, a restrição aplicava-se somente aos condutores que haviam sido condenados pela Justiça, o que não impedia que alguém que respondia a processos ingressasse no serviço).
O pente-fino irá se basear no sistema Consultas Integradas, banco de dados da Polícia Civil e da Brigada Militar, ao qual a EPTC já tem acesso há quatro meses. Desde então, apenas os cadastros dos taxistas que buscassem a renovação da licença, que tem validade de um ano, eram consultados. A partir de agora, todos os motoristas terão a ficha analisada.
– Os últimos acontecimentos nos mostraram que é necessário fazer uma avaliação de todos os cadastros ativos – admitiu Cappellari.
Dois técnicos devem reforçar a equipe de cinco pessoas responsável pelo controle das 10,3 mil licenças na EPTC. Eles serão treinados para consultar o sistema e devem dar início à análise em fevereiro. A previsão é de que o trabalho dure três meses. Em caso de comprovação de antecedentes policiais, o permissionário do táxi será comunicado e terá prazo de cinco dias para entregar o próprio "carteirão" (documento que autoriza o taxista a operar o serviço) ou do motorista auxiliar alvo da cassação. A penalização ainda inclui o recolhimento do veículo e a abertura de processo administrativo.
Para evitar injustiças, a EPTC conta com apoio de investigadores da Polícia Civil, e somente casos em que há indícios de envolvimento do motorista em crimes contra a vida, roubo e tráfico de drogas (entre outros) serão passíveis de afastamento.
– Essa é uma sugestão do próprio sindicato, para que haja uma seleção mais rigorosa do que a atual. Tenho apenas receio de que alguém ingresse na Justiça contra a medida, porque se estará condenando uma pessoa (com a perda da licença) que ainda não foi condenada em definitivo – avalia o presidente do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre (Sintáxi), Luiz Nozari.
Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Fundação Escola Superior do Ministério Público, Eduardo Carrion avalia que, por o sistema de táxi se tratar de um serviço público, a EPTC pode estabelecer as exigências e os pré-requisitos que julgue necessários.
– Trata-se de uma sanção administrativa, não propriamente de uma sanção penal. Logicamente, se houverem excessos na definição desses critérios, pode haver uma discussão judicial. A princípio, parece que a EPTC está agindo em nome do interesse público – considera.
Duas viaturas circularão pela cidade para chegar irregularidades
O efeito máximo da revisão dos cadastros será garantir que apenas motoristas "ficha-limpa" tenham permissão para dirigir táxis na Capital. Nada garante, porém, que um condutor que esteja impedido de trabalhar pegue na direção. ZH flagrou um retrato do descontrole em 2015: com a licença suspensa até ser julgado por homicídio culposo, um taxista que havia atropelado e matado um ciclista em fevereiro continuava trabalhando normalmente.
Na tentativa de estancar o desrespeito à lei, a EPTC deu início, na madrugada desta terça-feira, a uma operação em conjunto com a Brigada Militar que não tem data para terminar. Durante as noites e as madrugadas, duas viaturas (uma com agentes de trânsito e outra com policiais) circulam pela cidade e abordam pontos de táxi para checar se há irregularidades.
No primeiro dia, dois táxis foram apreendidos: os dois motoristas tinham o "carteirão" vencido. Um deles ainda apresentou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) cassada, e o outro possuía antecedentes criminais por roubo, tráfico e furto. A estratégia promete mais agilidade aos agentes e policiais do que nas tradicionais barreiras e dificulta que taxistas divulguem entre eles os pontos de fiscalização.
"Iremos limpar o serviço de táxi na Capital"
Em entrevista a ZH, o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, afirma que "o mau profissional dentro dos táxis" será punido e excluído. A seguir, veja trechos da entrevista.
ZH - A EPTC tem acesso ao sistema Consultas Integradas desde setembro, e só em meados de fevereiro dará início a esse pente-fino. Essa fiscalização não deveria ter sido iniciada antes?
Vanderlei Cappellari - Poder, poderia. Poderíamos ter feito de imediato, mas optamos, naquele momento, por fazer uma avaliação de todos os cadastros de ingresso e dos que fossem renovados. Os últimos acontecimentos nos mostraram que é necessário fazer uma avaliação de todos os cadastros ativos. Estamos reestruturando a equipe que tem a responsabilidade de manter esse cadastro para que faça, também, uma revisão antecipada dos atuais cadastros que estão na EPTC.
ZH - Quanto tempo irá levar essa avaliação?
Cappellari - Temos de treinar as pessoas, que precisam de autorização e receber uma senha individual e intransferível para acessar o Consulta Integradas. Esse treinamento deve acontecer até meados de fevereiro, e acredito que em 90 dias iremos concluir a avaliação dos 10,3 mil cadastros ativos que temos na EPTC.
ZH - Se cumprida a previsão, a análise dos antecedentes de todos os taxistas será concluída em maio. Não é muito tempo?
Cappellari - Não. Não podemos partir do princípio de que será uma caça às bruxas. Não vamos fazer isso. Teremos todo o cuidado. A partir da análise, é preciso ter um critério muito claro para excluir qualquer motorista, sendo ele permissionário ou auxiliar, porque o trabalho dessas pessoas no táxi é a sua sobrevivência individual e de sua família. Precisamos ter cuidado para que, ao analisar essas informações do sistema de segurança pública, não cometamos injustiças. Iremos tomar esse cuidado.
ZH - Na teoria, o controle parece bastante eficaz, mas, na prática, não é o que acontece. Um taxista que atropelou e matou um ciclista estava com a licença suspensa até o julgamento e foi flagrado trabalhando normalmente, por exemplo. Como garantir à população que a fiscalização terá resultados?
Cappellari - Estamos desenvolvendo duas estratégias para que se cumpra a determinação legal. A primeira é garantir que o motorista tenha o cadastro limpo e adequado para prestar serviço como taxista. A segunda é a criação de uma equipe especializada na abordagem de táxis. Essa equipe fará cumprir o que decidirmos no setor de cadastros, retirando condutores que insistem em dirigir táxis sem autorização.
ZH - Em novembro, um motorista do Uber foi agredido por um grupo de taxistas. Em 24 de dezembro, um taxista foi preso por suspeita de assaltar pedestres. No sábado, um grupo de taxistas entrou em confronto com funcionários de um estacionamento na Cidade Baixa. Na madrugada de sábado, um vendedor foi morto por taxistas em uma briga de trânsito. Por que só agora se dá essa fiscalização mais eficaz?
Cappellari - Estamos buscando a qualificação do táxi desde junho de 2011, quando três legislações foram encaminhadas à Câmara de Vereadores. O sistema tem sido modernizado não de agora. O poder público municipal decidiu qualificar (os taxistas) e retirar os maus elementos da categoria do táxi. Esse processo nos dá a garantia de que teremos um serviço de táxi qualificado e profissionais limpos prestando o serviço. Encaminharemos à Câmara de Vereadores um projeto de lei que cria uma identidade visual do profissional do táxi e exigiremos um psicotécnico no ingresso do profissional para que se avalie o seu perfil. O importante é que temos de tomar medidas mais rigorosas e que iremos limpar o serviço de táxi na Capital.
ZH - Quando se irá limpar o sistema de táxis em Porto Alegre?
Cappellari - Acredito que, a partir da análise de todos os cadastros e dessa equipe realmente ativa, nós vamos ter um serviço de táxi qualificado em Porto Alegre.
ZH - Mas quando?
Cappellari - Implantando essa equipe de análise dos cadastros, mais 90 dias para a avaliação, em maio concluiremos esse processo de avaliação dos cadastros e teremos, realmente... Isso não é garantia, também, que todo cidadão será ilibado e que nada irá acontecer. Uma decisão individual, uma pessoa pode prejudicar e pode cometer os piores crimes. Sabemos que a pessoa humana é vulnerável a atitudes que venham a colocar em xeque todo um sistema. Continuaremos acompanhando para que qualquer desvio de conduta tenha uma atitude do poder público.
ZH - O senhor considera seguro pegar um táxi em Porto Alegre durante a noite e a madrugada?
Cappellari - Completamente. O cidadão, hoje, tem ferramentas para fazer denúncias e para solicitar imediatamente a entrada do poder público. Se um cidadão é mal atendido ou sofre um assédio dentro de um táxi, ele pode, ao descer do veículo, comunicar pelo telefone 156 ou pelo 118, e nós, através do sistema de rastreamento, iremos imediatamente localizar e apreender esse veículo para averiguar essa denúncia. Eu tenho convicção de que o serviço é seguro pela fórmula de controle que temos sobre o sistema de táxis.
ZH - Mas um vendedor foi morto por um grupo de taxistas.
Cappellari - Mas é uma decisão individual de um cidadão que, naquele momento, perdeu a cabeça, cometeu um crime bárbaro e será punido, criminalmente e administrativamente. Tanto o permissionário quanto o auxiliar que se envolveu. É o que aconteceu em várias outras situações. Nenhuma profissão está livre de maus profissionais. Mas quero deixar claro que o mau profissional dentro dos táxis iremos punir, excluir e tomar todas as medidas para que não volte a ocorrer.
*Colaborou Fernanda da Costa.