
Se dependesse da quantidade de solenidades realizadas sobre os tapetes vermelhos do Palácio Piratini nos últimos cinco anos para celebrar a assinatura de protocolos de intenções, quando empresários sinalizam planos de investir no Rio Grande do Sul, o Estado não estaria encarando a crise econômica que vive hoje - ou pelo menos não de maneira tão profunda.
Entre 2011 e 2015, foram dezenas de cerimônias reunindo executivos, secretários, políticos e discursos entusiasmados para comemorar investimentos que, somados, chegariam a R$ 36,6 bilhões. Até o momento, apenas 20% desse valor saiu totalmente do papel.
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Metade dos empreendimentos que constam em protocolos foi concluída, mas a maior parte dos investimentos finalizados é de pequeno e médio portes. Alguns projetos de grande soma estão em andamento, outros desistiram, mas a maior porção segue no limbo da indefinição, mostra levantamento realizado por ZH a partir de consulta a companhias, prefeituras e empresas terceirizadas.
O ritmo e a viabilidade dos negócios é acompanhado de perto pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia a partir da Sala do Investidor. Criado há cinco anos, o departamento é responsável por dar agilidade aos projetos, reunindo em uma mesma sala o empreendedor interessado e os diversos órgãos públicos envolvidos na concretização de uma proposta. A iniciativa, que evita idas e vindas de investidores interessados nas terras gaúchas, é elogiada por empresários por desburocratizar o atendimento do setor público e já foi copiada por outros Estados, como Ceará e Amazonas.
- O ideal seria 100%, claro. Mas não podemos tirar o pé do chão porque tem toda uma crise por aí. Evito colocar uma meta porque posso ser cobrado depois. E quero ser cobrado por aquilo que está efetivamente nas minhas mãos, que é trabalho - afirma o secretário do Desenvolvimento, Fábio Branco.
Boa parte dos negócios anunciados, com pompa, como investimento para o Estado precisa vencer barreiras externas antes de ser transformada em realidade. Há entraves que não dependem nem da boa vontade do governo em conceder incentivos, nem do ânimo do investidor. É o caso de empreendimentos de energia, como a construção de uma usina termelétrica em Cambará do Sul, estimada em R$ 100 milhões, e de outra em Pedras Altas, estimada em R$ 3,7 bilhões. As duas empresas responsáveis pelos projetos assinaram, no ano passado, protocolos de intenção com o governo. Para que o investimento possa seguir em frente precisam antes conquistar contratos em leilões organizadas pela União, que garante a compra da energia gerada. O próximo ocorre em 31 de março.
- São iniciativas importantes, mas envolvem uma questão de mercado. É um leilão em que há disputa de projetos de diferentes fontes, e ganha o de menor preço - explica Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral.
Foi justamente o baixo preço - remuneração pouco atrativa - que fez a Omega, responsável pelo plano em Cambará do Sul, desistir dos últimos leilões.
A Ouro Negro Energia, que comanda o projeto em Pedras Altas, precisa ainda de uma licença ambiental provisória para então poder se habilitar a participar do leilão. Se emplacar o projeto, vai necessitar da licença de instalação antes de conseguir começar a obra de fato.
Burocracia ainda é entrave a ser vencido
A desaceleração da economia também atrapalhou investimentos que já haviam começado. A Medicone, que no protocolo de intenções assinado projetava investimento de R$ 9,6 milhões, desembolsou R$ 1,5 milhão. Parou a obra após a conclusão da primeira fase de ampliação da fábrica.
- Atuamos na área de medicamentos, e as licitações públicas diminuíram muito. Estamos esperando um momento econômico mais favorável - diz Marcelo Pereira, diretor da empresa.
Apesar do avanço no ritmo do setor público, a burocracia ainda é um entrave.
A emissão de licença ambiental, necessária para começar a tocar obras e parques industriais, demora em média 909 dias no Rio Grande do Sul. Processos de desapropriação de terrenos também se arrastam na Justiça. São obstáculos que precisam ser ultrapassados para que a melhora da economia gaúcha não fique apenas no terreno das boas intenções.
Os critérios utilizados por ZH
Concluído
Empresa finalizou o investimento previsto dentro do cronograma projetado ou com pouco atraso.
Em andamento
Empresa já tem licenciamento ambiental e recursos liberados para tocar o projeto.
Desistência
Investidor confirmou oficialmente desistência do projeto ao governo do Estado.
Não começou
Projeto está à espera de licenciamento ambiental ou de liberação de recursos para seguir em frente.
Indefinido
Empresa tem interesse em investir, mas projeto depende de fatores externos para ter continuidade.

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"Empresa só recebe benefício se realizar o que colocou no papel"
À frente da Sala do Investidor desde sua criação, em 2011, Adriano Boff coordena o departamento público responsável por facilitar a vinda de investimentos ao Rio Grande do Sul. Sem identificação partidária, seguiu no posto mesmo após a mudança de governo. O engenheiro explica os critérios para assinatura de protocolos de intenções.
A Sala do Investidor reúne mais de uma centena de projetos, e uma pequena parte assina protocolo de intenções com o governo. Qual é o critério?
Algumas empresas podem se beneficiar com a assinatura e outras não têm interesse. Para alguns empreendimentos, não adianta ter benefício de diferimento do ICMS, que é o que a maioria dos protocolos concede.
Como funciona esse diferimento do ICMS?
É o benefício padrão: diferimento de ICMS na compra de máquinas. A empresa ganha incentivo se comprar de empresas de dentro do Rio Grande do Sul ou se precisar trazer de fora mercadorias que não tem similares aqui dentro do Estado. Reduzindo o imposto, o empresário compra no RS uma máquina que, sem incentivo, compraria em São Paulo.
Que outros tipos de benefícios o protocolo pode dar?
São bem específicos. Pode formalizar outros compromissos, como um crédito presumido. Mas tem que já estar previsto na legislação. Por exemplo, uma fábrica de videogame que queira se instalar no Estado e precisa de um chip que não é fabricado aqui, precisa trazer de Santa Catarina. Para atrair a empresa, o governo abre mão do diferencial de ICMS. Mas isso só é possível com protocolo, que tem de estar amparado na lei. Mas a grande maioria dos protocolos é o padrão.
O protocolo beneficia o Estado?
Sim, porque compromete o empresário a comprar mercadorias dentro do Rio Grande do Sul. A empresa só recebe o benefício se realizar o que colocou no papel. É um protocolo de intenções, mas é praticamente um contrato. No documento, são definidos o prazo, o valor do investimento e a geração de empregos. Sem essas informações, não se assina protocolo.
Algumas empresas assinam protocolo já tendo as licenças em mãos e o investimento garantido. Outras ainda são incertas, dependem, por exemplo, da definição de um leilão de energia para conseguir ir adiante. Há uma diferenciação?
Para esses empreendimentos mais incertos, às vezes, o protocolo é muito mais importante do que aquele que está em estágio mais avançado. É uma chance maior de o projeto se realizar, um incentivo para andar mais rápido. Para as empresas de energia, no caso, é um diferencial. Tem projetos que, se não recebem um benefício, andam na corda bamba, não são tão viáveis. Aí tem um projeto no Nordeste que é beneficiado e leva.
A assinatura do protocolo deixa o projeto competitivo?
Sim, o termo é esse.
Mas é um investimento anunciado que tem um condicionante.
Se a empresa não ganhar o leilão e realizar o investimento, não vai receber o benefício. O Estado não dá nada antes.
Mas tem a cerimônia, o que gera ganho político, não?
Tem muitas assinaturas que são realizadas em gabinete. Algumas vezes se faz um ato, porque a política quer demonstrar o trabalho, mas varia bastante.
Quais as dificuldades do Estado na hora de atrair investimentos?
Uma questão é a logística. O grande consumidor é São Paulo. Muitas vezes, perdemos investimentos devido à distância. Com os investidores estrangeiros tem um outro ponto: a visão que têm sobre nós. A imagem é que somos um país muito mais burocrático do que realmente somos. O preconceito em relação à burocracia trava muitos negócios, mesmo com todo nosso trabalho para desburocratizar.

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Como funciona a sala do investidor
Foi criada para funcionar como uma espécie de "atalho" para empresários interessados em investir no Estado. Em vez de perambular entre secretarias, ir até a Fundação de Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) atrás de licenças e ao Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens (Daer) em busca de informações, a Sala do investidor coloca em uma única sala o empreendedor interessado e representantes de diversos órgãos públicos.
O contato inicial ocorre de diversas formas. Pode partir do próprio empresário, das prefeituras interessadas em atrair investimentos ou de indicação de agentes parceiros, como BRDE e Banrisul.
Após um primeiro contato, é solicitado que o empreendedor interessado preencha um questionário com informações sobre o projeto pretendido. Em até 15 dias, é agendada uma reunião na Sala do Investidor, em Porto Alegre.
No encontro, com base nas informações fornecidas previamente, técnicos da Fepam, da Secretaria da Fazenda e do BRDE instruem os empresários sobre procedimentos para conseguir licença ambiental, recursos do Fundo Operação Empresa do Estado do Rio Grande do Sul (Fundopem) e acesso a financiamentos para compra de máquinas pro exemplo.
O Fundopem não libera recursos para o empreendimento incentivado. Garante apoio por intermédio do financiamento parcial do ICMS incremental mensal devido gerado a partir da sua operação.
Conforme o projeto, técnicos de outras secretarias podem ser convidados a participar da conversa. No fim da reunião, um profissional vinculado à Sala do Investidor torna-se o "gerente" do projeto. Será o interlocutor do empresário dentro do setor público. Atualmente, 161 projetos estão sendo acompanhados pela estrutura.
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