
Um mês após o assassinato de uma pastora em Montenegro, moradores do município de 64 mil habitantes no Vale do Caí estão chocados com as notícias sobre o crime. Suposta vítima de latrocínio, Marta Maria Kunzler, 63 anos, teria sido, na realidade, alvo de um homicídio arquitetado pelo marido para que assumisse o relacionamento com o amante e criasse a filha dele.
É o que aponta a investigação da Polícia Civil, concluída na última sexta-feira. O marido da vítima, Adair Bento da Silva, 38 anos, o amante, Rodrigo Nunes da Silva, 24 anos, e outros dois homens, supostamente contratados para matar a pastora, foram indiciados por homicídio quadruplamente qualificado. Em liberdade, Adair concedeu entrevista a ZH e negou a autoria do crime.
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Para a polícia, ele está mentindo. Imagens de uma câmera de segurança de um vizinho do casal mostram dois homens caminhando em direção à casa, às 20h45min de 14 de junho, data do aniversário da vítima, pouco tempo depois de Marta sair para ir ao culto.
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Segundo as gravações, a mulher retorna às 22h20min e, às 22h45min, seu carro deixa a moradia. Em seguida, Adair sai na calçada e pede socorro – enquanto o corpo da mulher estava no quarto, estrangulado com uma gravata e marcado por facadas no pescoço.
O marido estava na casa com a menina de dois anos, filha do amante. A criança morava há um ano com Adair e Marta, que pretendiam adotá-la.
– Ele queria se separar, mas ela não aceitava. Tudo leva a crer que o marido ficaria com o amante, concluiria o processo de adoção e ainda levava a pensão da mulher e os seus bens. Tenho 18 anos de polícia. Foi o caso mais complicado de homicídio que vi – analisa o delegado Eduardo Azeredo.

Os investigadores acreditam que conseguiram desvendar o crime após o amante desmentir a versão de assalto, que pareceu suspeita para a polícia desde o início. Rodrigo contou que seria pago R$ 1 mil a dois conhecidos de Adair (os primos Igor de Azeredo Gomes e Juliano Jackson da Silva Gomes, ambos com antecedentes criminais) para que matassem Marta – eles negaram participação em depoimento.
Durante o crime, Rodrigo teria permanecido na garagem. Depois, dirigiu o Meriva da pastora levando os dois conhecidos e abandonou o carro em área rural do município. Próximo ao veículo, a polícia encontrou um moletom vermelho sujo de sangue – o mesmo que Adair havia usado mais cedo para ir à farmácia, conforme mostram imagens de câmeras. Em depoimento, o marido caiu em contradições. Disse que foram roubados dois celulares e dois notebooks, mas os computadores foram entregues aos investigadores por irmãos do suspeito.
Em um notebook, a polícia conseguiu confirmar a veracidade do relato do amante. Rodrigo contou que, para abafar os pedidos de socorro da vítima, foi colocado, em volume máximo, músicas do Metallica, banda de heavy-metal, no horário em que coincide com o do assassinato.
– O plano começou a dar errado desde o começo. Não engolimos a história dele – disse Álisson Soares Castilhos, chefe de investigação.
Na conclusão do inquérito, foi pedida a prisão preventiva do marido e dos primos – pela colaboração com a polícia, o amante responde em liberdade. Adair e Rodrigo chegaram a ser presos temporariamente, mas foram soltos. Igor está detido, e Juliano, foragido. Já a criança foi levada para um abrigo do município.
No dia de sua morte, pastora festejou aniversário de 63 anos em culto
No dia em que foi morta, a pastora Marta Maria Kunzler festejou seu 63º aniversário em um culto na Igreja do Evangelho Quadrangular, no centro de Montenegro. Após ouvir o parabéns dos amigos, convidou o pastor titular e sua mulher para um lanche. Desculpou-se com os demais colegas – em situação financeira delicada, não poderia pagar um jantar para todos.
Antes da cerimônia, Marta ainda passou na lancheria para acertar a conta. Receava que o casal insistisse em pagar a comemoração.
– Ela era uma benção, uma mulher de ouro – contou o pastor Telmo da Silva, 38 anos, que esteve no culto com Marta horas antes de sua morte.
Segundo Telmo, a idosa estava tranquila e não mencionou qualquer desavença com o marido, Adair Bento da Silva – hoje, principal suspeito de seu assassinato. Por isso, surpreendeu-se pelo enredo do crime desenhado nos dias seguintes pela Polícia Civil.
– Pela nossa fé, acreditamos na justiça divina, mas é importante essa sensação de que ele esteja preso ou que aconteça alguma coisa – disse Viviane da Silva, 38 anos, também pastora.
Natural de Tapera, Marta deixou o município do norte gaúcho em 1979 com o primeiro marido. Mudou-se para Lajeado e, mais tarde, para Montenegro, onde trabalhou em um frigorífico. Após ficar viúva, conheceu Adair.
O casal estava junto havia 18 anos. Irmão da pastora, o advogado José Teodoro Kunzler, 57 anos, contou que, em março, ela contou o desejo do marido de se separar e uma suposta agressão. Mas, depois, acabaram se "acertando".
– Foi uma surpresa muito grande. Ninguém espera que aconteça uma violência assim na sua família. Pelo jornal, a gente até vê que acontece em todo lugar, mas, quando é do nosso lado... Ficamos apavorados – desabafou José.
Também pastor em Montenegro, Rubens Santos, 40 anos, conheceu Marta em meados de 2004. Por insistência da colega, realizou cultos no presídio do município. Ela insistiu na atividade porque acreditava na reabilitação dos presos.
– Fiquei pasmo com a morte dela. Na verdade, ainda estou – disse Rubens.