
Um aceno ao mercado e outro ao Congresso. Foi com esse objetivo que o presidente Michel Temer anunciou a retirada dos servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência. Para o Planalto, a flexibilização na proposta original mostra aos parlamentares uma disposição ao diálogo, ao mesmo tempo em que sinaliza aos investidores força para tentar sanar um sistema que gerou déficit de R$ 192,8 bilhões em 2016 – sem contar outros R$ 112,6 bilhões de setores que ficarão fora da reforma, como Estados, municípios e militares.
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Nos últimos dias, a paralisia do Congresso havia gerado um temor nos círculos financeiros de que a reforma estava sob ameaça. A sensação reinante era de que o governo, sem respaldo popular e com vários ministros entre os pedidos de inquérito na segunda lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estava engessado pela Lava-Jato.
– O mercado olha com atenção para a Lava-Jato, mas a grande atenção está nas reformas. A da Previdência é a principal, é vida ou morte das contas públicas e da economia brasileira. A retirada de Estados e municípios dividiu opiniões. É boa porque o governo libera peso para seguir na aprovação. Trata-se de um passo atrás para dar dois à frente – comenta Richard Back, analista político da XP Investimentos.
Diante do panorama de dificuldades no Congresso, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, convocou reunião de emergência na segunda-feira passada. O presidente participou de parte do encontro, no qual a cúpula do Planalto concordou com o diagnóstico apresentado há semanas pelos líderes partidários: com o texto original, não será possível obter na Câmara os 308 votos necessário para aprovar a proposta de emenda à Constituição (PEC).
Para dirimir divergências, Padilha encomendou para a próxima semana uma radiografia das bancadas. Cada ministro terá de apresentar um mapa de comportamento dos deputados, identificando quais pontos sofrem maior resistência. O levantamento vai permitir à Casa Civil negociar com a equipe econômica outras mudanças.
No dia seguinte à reunião, contudo, os deputados demonstraram a Temer que estavam sob enorme pressão das bases. Foi aí que surgiu a ideia de deixar na reforma apenas os servidores federais e trabalhadores da iniciativa privada, dividindo o fardo com governadores e deputados estaduais. Pesou na decisão, a capacidade de mobilização dos funcionários públicos estaduais, sobretudo professores e policiais.
Para o governo, além de desidratar as manifestações populares contra a reforma, a iniciativa também agrada juízes e promotores de Justiça, categorias com forte poder de persuasão sobre os parlamentares. O recuo do Planalto, contudo, mostrou aos deputados que há brechas para novas negociações. No horizonte dos congressistas está uma flexibilização na aposentadoria rural e no tempo de contribuição exigido para obtenção do benefício integral. Nesta quarta-feira, o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), alertou os colegas de bancada sobre a possibilidade de novas barganhas.
– Conseguimos um objetivo (a retirada dos servidores estaduais e municipais). Agora virão os outros que vocês querem mudar – disse Lira.
O Planalto sabe que terá uma negociação complicada, mas trabalha para acelerar as discussões. Para tanto, os senadores também foram chamados a conversar. A ideia é articular, já na Câmara, uma versão do texto que tenha o aval do Senado. Isso facilitaria a aprovação com maior celeridade.
– Tive três reuniões com o presidente Temer nesta semana. Ele está ouvindo sugestões de deputados e senadores. É impossível tocar um processo deste tamanho sem diálogo. Ainda assim, trabalhamos com a previsão de votar tudo na Câmara até o fim de abril – diz o presidente da comissão da reforma, Carlos Marun (PMDB-MS).

As pressões sobre o governo
Aposentadoria rural: a proposta de modificar as regras para aposentadoria do trabalhador rural enfrenta forte resistência da bancada ruralista e de parlamentares ligados à agricultura familiar. Deputados da base e de oposição querem deixar o sistema rural de fora da reforma. Nessa categoria, o governo pretende subir e igualar a idade mínima da aposentadoria de homens e mulheres para 65 anos. Também propôs que os trabalhadores passem a contribuir individualmente.
Benefício integral: no texto enviado ao Congresso, o governo tenta modificar o cálculo para o trabalhador se aposentar com 100% do benefício a que tem direito. Pelas regras sugeridas na PEC da Previdência, seria preciso contribuir por 49 anos para receber o benefício integral. O período é alvo de críticas nas redes sociais e parlamentares da base de Temer defendem abertamente mudanças no cálculo. As bancadas apresentam diferentes sugestões para reduzir, ao menos, para 45 anos o tempo de contribuição.
Regras de transição: parlamentares defendem modificar a regra de transição proposta pelo governo, considerada muito brusca. Pelo texto, homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 terão de se enquadrar em todas as mudanças. Deputados defendem que a transição seja mais suave, com uma espécie de escadinha, que englobaria, por exemplo, trabalhadores a partir dos 30 anos. A equipe econômica já trabalha em projeções para ampliar o período de transição e atenuar os impactos.
Carreiras federais: o recuo do Planalto, que retirou servidores estaduais e municipais da reforma, encorajou categorias do serviço público federal. Como juízes e promotores dos Estados ficaram de fora das mudanças, Ministério Público Federal e magistrados da Justiça Federal aumentarão a pressão para que a reforma não atinja as categorias. Policiais federais e policias rodoviários federais também planejam ampliar o lobby. Eles contam com o apoio da bancada da bala.