
Após a prisão de Joesley Batista no domingo (10), o novo advogado criminalista a reforçar a defesa do empresário da JBS, Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, concedeu entrevista à Rádio Gaúcha na manhã desta segunda-feira (11) na qual afirmou que a detenção de seu cliente ocorreu para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, terminar o mandato com saldo positivo.
A conversa entre Joesley e Ricardo Saud, também da JBS, divulgada na semana passada, trouxe informações até então desconhecidas da Procuradoria-Geral da República (PGR). Os dois insinuaram ter contado com a colaboração do então procurador Marcello Miller na costura do acordo. Após tomar conhecimento do teor da conversa, Janot anunciou a revisão dos benefícios e, na sexta-feira, pediu a prisão de Joesley, Saud e Miller.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin autorizou a prisão de Joesley e Saud, mas negou a de Miller. No entanto, nesta segunda-feira (11), as residências dos três foram investigadas.
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O criminalista Kakay foi, então, contratado por Joesley neste fim de semana. O advogado defende que seu cliente deveria ter sido chamado para um "recall" (esclarecimentos) em vez de ter sido preso pela Polícia Federal (PF) e acrescenta que Janot está apenas cedendo a críticas.
— O pedido de prisão só se deu porque o doutor Janot recebeu flechadas na última semana pelo fato de ter dado imunidade total aos meus clientes — afirmou Kakay.
Conforme o criminalista, Joesley deve chegar à sede da Polícia Federal ainda na manhã desta segunda.
A entrevista ocorreu durante o programa Gaúcha Atualidade e foi conduzida pelas jornalistas Rosane de Oliveira, Carolina Bahia e Andressa Xavier, com produção de Tiago Boff.
Você assume em meio à prisão do seu cliente. A partir de agora, como seguirá a defesa de Joesley?
Fui contratado exatamente por causa da prisão. Não trabalho, em princípio, com delação. Embora seja um defensor dela, acho que na Lava-Jato (investigadores) deturparam a aplicação desse instituto. O doutor Pier Paolo (também advogado de Joesley) vai continuar os contatos institucionais com o Ministério Público (MP). Eu vou defender junto ao Supremo o direito de ver os benefícios da delação serem cumpridos para meus clientes. Porque a pessoa faz delação premiada, se expõe ao máximo, confessa crimes, entrega pessoas e documentos... A delação dos meus clientes foi considerada tão importante que lhes foi concedida imunidade total. Mas, após a imunidade e as críticas generalizadas dos formadores de opinião ao doutor Janot, ele resolveu, em um final de um mandato que se anuncia melancólico, pedir a revisão e a prisão dos delatores. Até então, ele considerava a melhor delação que existia – até por isso ele concedeu imunidade.
Isso foi uma deslealdade do Ministério Público Federal (MPF), representado pelo doutor Janot. Todos os delatores brasileiros, quando foram pegos, na visão de um procurador ou da Polícia Federal, omitindo informação ou agindo com informação não verdadeira, tiveram um recall (convocação de esclarecimentos), e não a revisão (da delação). Chame a pessoa e dê a oportunidade. Posso garantir que meus clientes não fizeram a omissão que esta sendo apontada a eles. Eles foram chamados para conversar? Não, foi feito um pedido espetacular de revisão (da delação) e de prisão.
Nas gravações que vieram à tona, Joesley e Saud falam em acordo com o ex-procurador Marcelo Miller. Dão a entender que jogam com o MP. Isso não é grave?
Ainda que se entenda a gravidade da interpretação dessa gravação, tem um fato importantíssimo: a gravação se deu em 17 de março, antes da delação. É uma conversa de boteco. Pode ter consequências, mas não jurídicas. Como você pode impugnar (anular) uma delacão apresentada com centenas de documentos, anexos e versões comprometedoras de pessoas importantes do país por causa de conversa de boteco feita antes da delação? Óbvio que houve uma vontade do MPF de "corrigir" aquilo que, depois, ele achou que foi um erro. Ele (Janot) deu imunidade, não quero questionar se foi certo ou não, mas ele deu e defendeu essa imunidade. Esse pedido de revisao e de prisão vem no final de mandato para corrigir o que ele acha que errou.
Mas há informações de que há mais gravações, inclusive guardadas no Exterior. Isso não é omissão de informação no momento em que foi fechada a delação? No acordo está previsto que o delator não pode omitir informações. Joesley não omitiu informações à Procuradoria-Geral da República?
Conversei ontem (domingo) com meu cliente e ele garante que não houve nenhuma omissão. Tudo o que ele tinha e que, na visão dos delegados que acompanharam a delação tinha importância jurídica, foi entregue para a Procuradoria. Se o procurador da República considerou que poderia ter mais alguma coisa, que chamasse para conversar, em vez de pedir a prisão, como fez em todos os outros casos.
Se existe alguma gravação que o Ministério Público tem conhecimento e interesse, que peça. Na quinta-feira (7), o Joesley foi prestar depoimento na Procuradoria-Geral da República. Perguntado sobre determinada gravação, ele disse: "Existe essa gravação e eu vou entregá-la". A procuradora falou: "Então entregue no menor espaço de tempo possível". Mas naquele momento estava sendo feito o pedido de prisão. Olha a deslealdade que está sendo posta. Ele estava na PGR, indagado sobre determinada fita, disse que a fita existia e que a entregaria. No entanto, no outro dia ele foi preso. Não é assim que se trata, estamos falando do Estado brasileiro. O instituto da delação tem que ser revisto e estudado de uma forma mais apurada. A delação não pode ficar ao bel-prazer do cidadão que representa o Estado no momento do acordo.
Algumas fontes de imprensa afirmam que há novas gravações e que Joesley só entregará se o acordo não for rescindido. É verdade isso?
Não vou atuar no ponto da delação. Mas me parece óbvio que, se ele tem outras gravações que MP acha relevante e o acordo ainda valer, ele vai entregar. Agora, se o acordo não valer, ele não tem porque entregar.
Isso não pode ser considerado omissão?
Se o acordo não vigir, ele não tem mais obrigação. Todo o cidadão brasileiro tem o direito de não se autoincrinimiar. Quando o cidadão vai à delegacia por qualquer motivo, ele não é obrigado a confessar. A delação tem essa diferença, a pessoa abre mão do direito de não se autoincriminar. Olha como é grave: o Estado propõe uma delação, meus clientes contaram tudo o que sabiam, entregaram dezenas de documentos e pessoas relevantes no país. Aí o Estado tem todas as informações e diz que, porque faltou uma fita, vai tirar os benefícios que concedeu. Evidentemente que isso não é correto.
Mas, no acordo de delação, fica explícito que, se ficar comprovado que o delator mentiu ou omitiu informações, o acordo poderá ser revisto. Da forma como senhor fala, parece que simplesmente Joesley fez um acordo eterno e que para ele não vale o que está escrito no próprio acordo.
Absolutamente, não. É claro que isso tem que valer para todos os delatores. O que estou dizendo é que meu cliente garante que entregou tudo o que tinha que entregar e que foi julgado relevante pelos advogados que acompanharam a delação. Se o MPF teve uma dúvida, e é normal que possa ter, faz parte do jogo, por que não fez o recall como fez com todos os demais delatores? O que quero levantar é: por que dois pesos e duas medidas? Por que houve recall na grande maioria dos delatores e, nesse, especificamente, não? Na minha visão, é porque Janot ofereceu imunidade, foi criticado ao máximo por isso e ao final de seu mandato, quer tirar aquilo que ele acha que foi uma pecha na sua vida. Se você ver, os formadores de opinião foram contrários à imunidade total.
Nessa "conversa de bar", como o senhor classificou, não existe uma peculiaridade que pesa muito no momento da prisão, que é o fato de Joesley se referir ao ex-procurador Marcelo Miller quase como um companheiro ou parceiro? Falam do ex-procurador dando a entender que ele pode ter feito um jogo duplo, como procurador e como advogado. Isso não compromete as informações que eles passaram na delação? E aí sim é um motivo para o pedido de prisão?
Se você tem uma conversa anterior, desconectada daquela feita na procuradoria, uma conversa entre dois amigos bebendo, essa conversa tem que ter um valor de prova milhões de vezes menor em comparação àquilo que foi levado documentalmente aos procuradores durante a delação. O que meus clientes garantem é que falaram tudo o que sabiam sobre Marcelo Milller. Cabe ao MPF e à PF continuar a investigação, não cabe à defesa e muito menos ao meu cliente fazer essa análise. Se ele disse tudo que sabia, esta questão esta posta nos autos.
Neste fim de semana, a notícia que circulou no país inteiro foi Janot ter sido fotografado usando óculos escuros em um bar em Brasília com Pier Paolo, outro defensor de Joesley. Na sua opinião, já que o senhor conhece bem o mundo das relações em Brasília, isto é ou não comprometedor para Janot?
Absolutamente não é comprometedor para o procurador. Conversei com o Pier, ele disse que foi um encontro casual. Até notei que só tinha um copo, então um deles não bebeu. Brasília não é tao grande assim. Acho (o encontro) normal. Nesse momento punitivo que estamos, todos os sinais estão sendo vistos como negativos. Veja só, o doutor Pier, um dos maiores adovgados do brasil e grande professor da USP (Universidade de São Paulo), se encontra com o procurador-geral da República e diz que não pode conversar porque pode haver uma foto e essa foto será lida de forma comprometedora? Essa visão é fruto desse momento punitivo pelo qual passa o país.
Hoje o ministro da Justiça (Torquato Jardim) deu entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em que diz que a polêmica envolvendo a delação de Joesley pode comprometer as demais delações que apareceram no processo. O senhor disse que não trata de delação, mas tem vários clientes da Lava-Jato. O senhor tem a mesma opinião do ministro?
Quem acompanha minha vida profissional sabe que sou crítico da forma como são feitas as delações no Brasil. É óbvio que, se você tem a vulgarização da delação e do recall, você compromete a delação como um todo. O que é a delação? A delacao é um instituto importantíssimo, é a pessoa que voluntariamente se arrependeu ou por medo da força do Estado e que procura o MP para dizer o que sabe. Isso é a delação. No Brasil, passou a ser diferente, passou a ser uma procura insana por diversos grupos, passou a ser o MP oferecedo questões que devem ser colocadas em investigação. No mínimo, essa questão servirá para um debate da instituição da delação. Tivemos um momento do Brasil em que as investigações só ocorriam por interceptação telefônica – felizmente esse momento passou. Mas em vez de ter estabilidade democrática no processo penal, vivemos um momento punitivo em que a delação virou a regra. Esse pedido de prisão só se deu porque o doutor Janot recebeu flechadas na última semana pelo fato de ter dado imunidade total aos meus clientes.