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Dias depois de andar sobre tapete vermelho na pré-estreia do filme sobre a Operação Lava-Jato, o juiz federal Sergio Moro, que conduz os processos de primeira instância em Curitiba, comentou a tendência de Hollywood de transformar grandes investigações policiais em obras literárias e cinematográficas sobre instituições como FBI e CIA. Na ocasição, também criticou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
– Nos Estados Unidos, eles gostam de escrever livros e filmes. Tudo acaba em show business – disse Moro, em meio a análises sobre casos de corrupção descobertos no país americano.
Neste sábado (02), o juiz, interpretado na telona pelo ator Marcelo Serrado, palestrou por uma hora e 38 minutos na Jornada Internacional de Investigação Criminal, em Gramado, na serra gaúcha. Ele chegou à cidade na sexta à noite, pernoitou no hotel onde o evento se realiza e, neste sábado, retornará a Curitiba após o almoço.
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Embora cuidadoso nas palavras e elogioso às instituições, Moro criticou Janot e tomou parte na querela entre Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF) quando o assunto é a exclusividade na condução dos acordos de colaboração premiada.
– Acho que o procurador-geral da República fez um trabalho muito corajoso, é necessário dizer isso. O que não significa que talvez ele não tenha cometido alguns equívocos. E um equívoco foi no acordo de colaboração da Odebrecht, deixar de lado a Polícia Federal. Nisso ele cometeu um equívoco. É uma crítica respeitosa. Não compartilho das críticas ofensivas que alguns fazem ao procurador-geral – comentou Moro.
Defesa da Lava-Jato
Exceto em breves momentos de descontração, o juiz dedicou os minutos da sua manifestação, diante de um auditório com 1,4 mil pessoas, a fazer a defesa dos métodos utilizados na investigação e no processo penal da Lava-Jato que são alvos de críticas de advogados e de parte da classe política. Ele expôs argumentos para valorizar instrumentos como a delação premiada, a prisão preventiva e a publicidade do conteúdo dos processos.
– Há uma critica, a meu ver não muito consistente, sobre a utilização da prisão preventiva. Ela é admitida em casos excepcionais. Apesar do grande número de preventivas, poucas delas foram revistas pelas instâncias recursais superiores. E, quando revistas, não foi por vício originário, mas porque estariam muito longas – justificou.
Para ele, as prisões preventivas decretadas - que levam à reclusão antes do julgamento - estavam fundamentadas pelos riscos de fuga dos suspeitos, de destruição de provas e pela necessidade de interrupção da corrupção sistêmica.
O juiz ainda disse que a delação premiada, item fundamental para o avanço da Lava-Jato, somente é válida se acompanhada de outras provas que corroborem as declarações do criminoso que decide colaborar.
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– Se fala que a Lava-Jato é muito fundada em acordos de colaboração. Não é verdadeira a afirmação. Eles colaboram porque se veem numa situação em que as provas e evidências colhidas são categóricas. E a melhor alternativa numa situação processual difícil seria a colaboração – argumentou.
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Questão do sigilo
Apostando no contraponto, Moro reforçou a convicção na publicidade dos processos e documentos da investigação no sistema eletrônico da Justiça Federal. Ponto sensível e motivo de discussão pública, a retirada do sigilo levou os algozes da Lava-Jato a acusar o juiz de promover "vazamentos seletivos". Um dos picos de tensão ocorreu quando Moro tornou públicas conversas dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que não era investigada, em meio ao processo de impeachment que retirou o PT do poder.
– Em outubro de 2014, um ex-diretor da Petrobras e um lavador profissional foram chamados a prestar depoimento. Havia um período eleitoral em curso e fazer a audiência aberta poderia influenciar a eleição. Eu avaliei que, se fizesse audiência em segredo ou se retardasse a audiência, isso também influenciaria a eleição. O que acontece fora da Corte de Justiça não é minha responsabilidade. Jamais vamos esconder processo por questão de consequências políticas – disse.
"Lavador profissional"
Ao se referir a alvos da Lava-Jato, Moro não citava nomes. Identificava os investigados e condenados pelos cargos ocupados na Petrobras ou por funções desempenhadas no esquema de corrupção, como "lavador profissional", caso do doleiro Alberto Youssef.
O ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi chamado de "parlamentar preso".
Moro afirmou que o sucesso da Lava-Jato se deve a fatores como a criação de forças-tarefa de dedicação exclusiva ao caso na Polícia Federal e Ministério Público Federal. O apoio da população e a colaboração com países como Suíça, onde criminosos mantinham dinheiro desviado da Petrobras em contas secretas, também foram definidas como fundamentais para o êxito. O auxílio da Receita Federal para seguir o dinheiro foi outro item valorizado.
Saudado com entusiasmo pelo público, Moro destacou números: 157 pessoas foram, até agora, condenadas por corrupção e lavagem de dinheiro na Lava-Jato. E a operação ainda vai longe.