
Com mais de três anos de estrada, a força-tarefa da operação Lava-Jato deverá ter vida longa, avalia o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, do Ministério Público Federal, um dos cérebros do núcleo investigatório de Curitiba.
A estafa física e mental que levou alguns policiais federais e procuradores a se afastarem das apurações nos últimos meses coloca a ideia do ponto final no horizonte. Mas é algo distante de ser consumado na visão dos investigadores.
– Uma hora a Lava-Jato deve acabar efetivamente, mas ainda não é hora. Há muito a ser revelado – afirmou Lima, o primeiro palestrante da Jornada Internacional de Investigação Criminal, que começou na manhã desta sexta-feira (1º), em Gramado, na serra gaúcha.
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O cronograma previa que Lima discorresse sobre o papel do MPF nas investigações criminais. E, no princípio, o foco foi esse. Diante de público de
1,4 mil pessoas, com maioria de jovens, o debate tocou tarefas dos procuradores como a técnica de investigação, a busca por ressarcimento dos lesados e a execução da pena dos condenados.
A maior parte dos 35 minutos de manifestação de Lima, contudo, foi dedicada ao debate de caráter político, embora sem declarações de cunho partidário. O cardápio incluiu eleições, reforma política, achaque aos cofres públicos e futuro do país.
– 2018 é a oportunidade de não reelegermos pessoas envolvidas em corrupção. Não vamos manter a estrutura política tal qual se encontra hoje no Brasil – afirmou Lima.
Ele ainda pediu que a sociedade não se desmotive com a sequência dos casos de corrupção, que não cessaram mesmo com o avanço implacável da Lava-Jato sobre castas políticas e empresariais.
– Não podemos aceitar as mordaças que tentam nos impor. O mínimo é nos tornarmos replicadores indignados.
O procurador foi crítico à reforma política discutida no Congresso. Para ele, trata-se de uma operação parlamentar para "salvar" políticos malfeitores. O modelo eleitoral do distritão foi alvo de desaprovação de Lima, que o classificou como muito oneroso por propugnar campanhas de maior porte, no território integral dos Estados. O fundamental, disse, é baratear as campanhas e financiar o sistema sem dinheiro público ou de empresas.
– Estamos investigando (na Lava-Jato) como a política no Brasil é financiada. (...) Temos um sistema político criminógeno, que gera criminalidade – avaliou Lima.
A série de análises políticas, eleitorais e econômicas levou o procurar a fazer um alerta: "Eu não sou candidato, deixo isso bem claro, não pretendo ser."
Linha de frente no debate público sobre a importância da Lava-Jato, Lima divide com o procurador Deltan Dallagnol a tarefa de ir a público para comentar os rumos do país e rebater – ainda que indiretamente – as afirmações e ações da classe política que soam como tentativas de abafar as investigações.
– Estamos vendo outro fenômeno: o discurso de que a Lava-Jato atrapalha a economia do país e que, portanto, ela deve acabar. Você pode culpar o termômetro pela febre, pode quebrar o termômetro, mas vai continuar febril – reagiu.
Ao citar que a defesa da democracia é uma prerrogativa do MPF, ele defendeu o direito dos procuradores de se manifestarem além dos autos do processo sobre temas diversos.
Lima destacou a capacidade de comunicação da Lava-Jato com o público a partir do levantamento do sigilo de investigações e de processos judiciais – políticos e militantes criticam a força-tarefa por "vazamentos seletivos".
Outra virtude da força-tarefa, avaliou, foi a habilidade investigatória para não incorrer em erros que pudessem originar a declaração de nulidades, o que acaba beneficiando potenciais criminosos. Foi o que aconteceu com as operações Castelo de Areia e a Boi Barrica, destacou Lima.
A jornada ocorre em Gramado. O juiz federal Sergio Moro, que preside os processos da Lava-Jato em Curitiba, irá palestrar neste sábado (2), dia de finalização dos debates.
Além de temas ligados à corrupção e recuperação de ativos no exterior, o evento também terá discussões sobre crimes na internet, ataques virtuais de escala mundial, cooperação internacional e tráfico de drogas.