Se nunca antes na história deste país tanta gente passou tanto tempo conectada à internet, também se pode dizer que nunca antes na história das eleições nacionais a disputa será tão influenciada pelas redes sociais. Só que entender as sinuosidades dessa influência pode ser mais complicado do que distinguir entre esquerda e direita nas esquizofrênicas alianças partidárias apresentadas pelos candidatos.

Para o pesquisador da área de engenharia de software Silvio Meira, professor da Universidade Federal de Pernambuco e cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R), esta vai ser a primeira campanha em que as redes sociais vão interferir no comportamento do eleitor. Graças à popularização dos smartphones, um contingente inédito poderá interagir de forma instantânea com a discussão política, compartilhando ou contestando mensagens. Mas ele faz uma ressalva: essa interferência muda comportamentos, não necessariamente a escolha do candidato.
- Tem um bocado de gente querendo chegar na minha timeline e querendo dizer um monte de coisa. E eu posso interferir diretamente. Eu posso comentar, gostar ou não. Não estou dizendo que vai influenciar o voto, mas pode interferir de forma direta e em tempo real na conversa sobre a eleição - analisa Meira.
Parte desse poder vem do crescente engajamento nacional às redes, que faz com que o tempo de utilização dos smartphones pelos brasileiros já supere a média global (com média de 84 minutos no uso diário dos aparelhos, contra 74 no mundo).
Por outro lado, é preciso lembrar que o acesso ainda é limitado. A 1ª Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 aponta que 47% da população costuma acessar a internet - e desses só 26% o fazem diariamente. Ainda assim, a força das redes é amplificada pelo seu potencial de reverberação. Um dos organizadores do livro Do Clique à Urna: Internet, Redes Sociais e Eleições no Brasil (Edufba, 2013), o professor da Universidade Federal do Ceará Jamil Marques chama atenção para o fato de que mesmo os que não estão na rede são influenciados por ela.
Denominado "remediação", o fenômeno é caracterizado por uma espécie de contaminação, em que uma plataforma influencia a outra. Um exemplo seria o caso do menino de Santa Catarina que ficou famoso com o bordão "tácale pau".
- Muitas pessoas não assistiram ao vídeo na internet, mas ficaram sabendo porque isso foi para a TV. Também ocorre o contrário, quando os exercícios de fono da Patrícia Poeta na TV vão parar no YouTube. Isso também acontece na política - compara Jamil.
Em meio ao tráfego incessante de informações, ganham espaço as chamadas guerrilhas de internet, alimentadas por blogs anônimos que difundem ataques contra adversários. A estratégia, explica Jamil, é produzir tantos links e compartilhamentos a ponto de iludir a indexação do Google, para que os boatos apareçam nas primeiras páginas de pesquisa, como se fossem fatos.
- Esses militantes são treinados e remunerados para espalhar mentiras, e isso reverbera. Mas do mesmo jeito que há perfis voltados para atacar, surgem outros para defender. Isso faz parte do jogo. Campanha negativa sempre vai existir, mas o eleitor também está cada vez mais atento - pondera Jamil.
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, Leonardo Avritzer observa que a dubiedade na legislação eleitoral favorece os ataques na internet.
- O Brasil tem optado por hiper-regular a TV e não tem quase nenhuma regulação da internet. Na TV existe o exercício do direito de resposta. Se um candidato ataca outro, no dia seguinte o outro tem direito de resposta. Na internet, já temos o Marco Civil, que ajuda a tomar atitudes legais, mas a retirada do conteúdo é lenta. Numa eleição, se demorar 24 horas para tirar do ar pode ser muito tempo, porque a grande característica é o poder de replicar rapidamente uma mensagem - analisa Avritzer.
Na avaliação do pesquisador, o ideal seria que nem a TV fosse tão regulada, nem a internet tão desregulada. Estudioso da democracia, Avritzer considera que as redes trazem um ganho importante de pluralidade e difusão de informações, mas salienta que não pode haver idealização, porque "expressam a sociedade tal qual ela existe". Assim, são inevitavelmente novos canais para expressões de radicalização e partidarização.
Embora os candidatos estendam suas batalhas para as redes, o professor Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e coordenador do Laboratório de estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), concorda que a forma de disputa não mudou em sua essência.
- Essa história de guerrilha de internet é uma paranoia, tudo artificial. A estratégia é culpar a internet por questões que têm a esconder. Os candidatos deveriam contrapor com verdades o que consideram mentira. Porque a verdade também pode se propagar rápido. Existem grupos em todos os partidos que espalham boatos. É como antes o cara que chegava e começava a falar mal de um candidato para que aquilo se propagasse. Isso não é originário da internet - contesta.
Enquanto os os blogs anônimos espalham trevas para dar ares de vilão de novela aos adversários, os perfis chapa-brancas trabalham para tentar colar todas as virtudes de herói no seu candidato, ecoando seu discurso.
- Os robôs com função de retuitar reproduzem aquela ideia de ônibus lotados que levavam para os comícios para dar audiência. É a reprodução da política da bajulação - analisa Malini.
Nem sempre as táticas funcionam. À medida que todas as candidaturas se apropriam das ferramentas tecnológicas, tendem a repetir fórmulas semelhantes. Tanto que o cientista político Emerson Cervi, professor do programa de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), enxerga uma contradição: quanto mais utilizados por todas as candidaturas, os dispositivos passariam a fazer menos diferença do ponto de vista eleitoral.
- Num ambiente em que todas as candidaturas usam as mesmas estratégias, os efeitos se anulam - reflete.
Da mesma forma, Cervi considera que as ditas guerrilhas travadas nos porões das campanhas são parte de um jogo calculado. Que pode ser temido, mas não superdimensionado.
- Não se pode transferir difusão de conteúdo à decisão de voto, nem fazer a relação direta. Senão volta-se à teoria da agulha hipodérmica, como se a mídia inoculasse algo sobre a pele e estaria limitado a agir ali. O comportamento das pessoas é muito mais complexo - lembra.
OS CANDIDATOS NA REDE
A pedido do PrOA, pesquisadores do Labic/UFES fizeram uma análise das menções no Twitter sobre os três principais candidatos à Presidência: Aécio Neves, Eduardo Campos e Dilma Rousseff. O levantamento teve duração de uma semana, entre 3 e10 de julho. O primeiro dia da análise coincidiu com a data do jogo do Brasil contra a Alemanha, que acabou no vexame de 7 a 1 e contaminou a análise política. Confira a seguir o mapa das redes, que aglutina por cores diferentes posições que se afirmam na rede. No desenho são listados alguns dos principais perfis que alimentaram cada um dos campos. (Veículos de mídia tendem a ficar na fronteira entre oposição e situação porque suas notícias são utilizadas pelos dois lados, mas também podem acabar atraídos para determinado campo, conforme replicados por um ou outro).
Dilma na rede
Crédito imagens: LABIC/UFES/ Divulgação

632.750 tuítes na semana mencionaram Dilma.
Foram 72.967 usuários diferentes, com 194.773 retuítes.
O volume de citações a Dilma foi fortemente influenciado pela Copa _ e pela derrota de 7 a 1. Foram tantas as sátiras que os pesquisadores identificaram a formação de uma "rede da zoeira" (em vermelho, com 59,91% das menções), que envolveram seu nome em piadas. Outro grupo (azul, com 26,64%) foi caracterizado por um humor mais ácido, com conotação política. Os tuítes de discurso oposicionista (em verde), somaram 8,61% das menções a Dilma, enquanto a rede de apoio à candidata (em amarelo), produziu 6,85% delas.
Aécio na rede
53.885 tuítes na semana mencionaram Aécio.
Foram 11.254 usuários, com 21.092 retuítes.
Sem tanto impacto da Copa, o tucano apresentou uma rede bipolarizada. O curioso é que o bloco oposicionista citou mais seu nome do que sua própria base. Os apoiadores de Dilma (em vermelho) produziram 27% das mensagens, enquanto a rede tucana (em azul) somou 15,93%. O grupo amarelo (com 13,35%) aglutina os veículos de imprensa, que ficaram em uma posição intermediária. Em verde, se destacam dois perfis que foram tão retuitados a ponto de criarem uma comunidade em seu entorno: o perfil Dilma Bolada (DilmaBR) e o do jornal Estadão.

Eduardo e Marina na rede
57.769 tuítes na semana mencionaram Eduardo Campos e Marina Silva (o nome de Marina foi incluído para facilitar a identificação desta rede, o que explica um volume de tweets maior do que o acumulado sozinho por Aécio)
Foram 10.093 usuários diferentes, com 10.335 retuítes.
A rede de Eduardo e Marina é descrita pelos pesquisadores do Labic como a mais rarefeita. Quem mais cita a candidatura é a rede de Dilma, que aparece em azul, com 13,61% das mensagens. Em laranja, com 8,81%, são aglutinadas menções de sátira e humor envolvendo a candidatura. A rede de apoio a Eduardo e Marina, em vermelho ,soma 6,69%. Em verde aparecem os sites de notícias, com 6,19%. (o polo azul forte reúne notícias de um lançamento em uma livraria em São Paulo com participação de Campos).

PALAVRAS-CHAVES
A análise feita pelo Labic/Ufes também mostra quais são as palavras-chaves que mais aparecem nos tuítes que mencionam os candidatos:
Dilma
Entre as palavras mais citadas estão Brasil, Copa e Comprou. Segundo o professor Fábio Malini, coordenador do Labic, o vocabulário está em boa parte contaminado por sátiras relacionadas à derrota da seleção após a derrota de 7 a 1, como a piada de que Ângela Merkel teria pago mais pela Copa do que Dilma para comprar a vitória.


Aécio
Uma das palavras em destaque é Patrimônio, além de Brasil, Copa, Campanha e Dilma. A divulgação dos bens dos candidatos pelo TSE durante o período do levantamento, mostrando que o patrimônio do tucano cresceu 303% desde 2010 (e a de Dilma 64%) é uma das razões que explicam a referência. O PSDB disse que a elevação se deve a uma herança deixada pelo pai de Aécio, que faleceu em 2010.


Eduardo Campos
Nas mensagens que o citam se destacam palavras como Dilma, Aécio e Brasil, além da referência a seu próprio nome. O coordenador do Labic observa que, como a rede é mais difusa, é influenciada por notícias de veículos e alvo de críticas de apoiadores de outros candidatos. "Ele ainda não conseguiu criar uma rede da campanha dele", avalia Malini.

DE ONDE VÊM OS TUÍTES DOS CANDIDATOS