
No final de 2013, quando o país ainda efervescia sob efeito dos protestos de junho, quem arriscasse uma previsão para o Brasil poderia imaginar que 2014 seria o ano do #NãoVaiTerCopa. Mas no fim teve Copa (e teve elogio internacional, e teve 7a 1!), e outros debates menos previsíveis ganharam terreno.
A seguir, o caderno PrOA relembra 10 temas que sacudiram o país e o mundo nos últimos 12 meses: dos protestos contra o racismo às manifestações pela volta do regime militar. Do recrudescimento do conflito árabe-israelense até a surpreendente reaproximação entre Cuba e Estados Unidos. Dos embates sobre maconha às previsões catastróficas sobre o aquecimento global. Porque o ano termina no dia 31, mas as discussões que suscitou seguem longe do fim.
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Racismo
Se ainda restava dúvida, o mito do país cordial e miscigenado caiu por terra definitivamente em 2014. O racismo foi escancarado em estádios de futebol, em cenas como os gritos da torcedora gremista flagrada pelas câmeras chamando o goleiro do Santos de macaco, em Porto Alegre, e as bananas atiradas contra o carro do árbitro Márcio Chagas, em Bento Gonçalves. Mas o preconceito de raça está longe de ser exclusividade tupiniquim: na Espanha, torcedores lançaram uma banana para o jogador Daniel Alves. Em Ferguson, nos Estados Unidos, o povo foi às ruas para protestar contra o policial branco que matou um negro desarmado, alegando "legítima defesa".
País dividido
Desde a disputa entre Lula e Fernando Collor, em 1989, o Brasil não chegava tão dividido a uma eleição. Dilmistas e aecistas pareciam habitar dois mundos inconciliáveis. Com ânimos inflamados, eleitores se alinharam em trincheiras ao longo da campanha: coxinhas versus petralhas, sulistas contra nordestinos, elite branca X preto pobre. E os batalhões de cada time digladiavam-se via redes sociais, difundindo agressões, montagens e notícias falsas, em um bate-boca capaz de romper até amizades. No primeiro turno, a corrida foi marcada por reviravoltas, com a morte de Eduardo Campos e a ascensão e queda de Marina Silva. Ao final, a presidente Dilma acabou reeleita com 51,64% dos votos e pregou o diálogo, mas as torcidas continuam organizadas - a favor e contra.
Corrupção
Nunca antes na história deste país ficou tão explícita a relação que movimenta as engrenagens da corrupção, com a exposição do compadrio entre políticos e empresários no Caso Petrobras. Ao atingir a principal estatal brasileira, os escândalos já transformaram 39 pessoas em réus, entre funcionários de empreiteiras, da Petrobras e intermediários de esquemas de corrupção. Vinte e cinco executivos de grandes construtoras foram presos, e a lista de políticos tragados pelas denúncias não para de crescer. A punição a tantos poderosos pode ser emblemática, mas a luta contra a corrupção enfrenta reveses: mesmo com "ficha suja", Paulo Maluf recuperou na Justiça o mandato de deputado federal.
Regime militar
Nos 50 anos do golpe militar, o país assistiu a dois movimentos antagônicos. Ao mesmo tempo em que a Comissão Nacional da Verdade compilava depoimentos de torturadores e vítimas para tentar clarear um dos capítulos mais sombrios da nossa história, passeatas pedindo a volta da ditadura pipocavam pelo país. Em março, um grupo preocupado com a "ameaça comunista no Brasil" chegou a reeditar, em São Paulo, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, com mil participantes rememorando o ato que virou símbolo do golpe que tirou João Goulart do poder, em 1964. Ao ser apresentado, em dezembro, o relatório final da Comissão da Verdade apontou 377 agentes responsáveis por torturas e 464 mortos e desaparecidos na ditadura. Mas o avanço foi tímido: 200 corpos não foram encontrados até hoje.
Terrorismo-Ostentação
O Estado Islâmico inaugurou a era do terrorismo para as câmeras em grande escala: não basta matar, tem que postar - de preferência em HD.
A organização divulgou pelo menos três vídeos de ocidentais sendo decapitados: dois jornalistas norte-americanos e um refém britânico. Em uma das gravações, o executor se dirigia a Obama, dizendo que o ato era uma resposta a sua "arrogante política contra o Estado Islâmico":
- Como os seus mísseis continuam a atingir o nosso povo, os nossos facões continuarão cortando o pescoço da sua gente - disse, antes de cortar a cabeça da terceira vítima.
Diplomacia
As relações diplomáticas oscilaram entre dois extremos em 2014. De um lado, o colapso das negociações de paz patrocinadas pelos Estados Unidos, que deram lugar a uma nova onda de violência entre árabes e israelenses, em julho. De outro, a reaproximação histórica entre Cuba e Estados Unidos, anunciada neste mês, que garantiu a retomada da diplomacia entre os antigos inimigos da Guerra Fria, rompidos desde 1961. Costurado durante 18 meses em negociações secretas, o acordo teve papel chave do papa Francisco e do governo do Canadá. Em seu discurso, Obama agradeceu ao Papa, "cujo exemplo moral nos mostra a importância de buscar o mundo que deveríamos ter, ao invés de nos contentarmos com o mundo que temos".
Aborto
Tabu no Brasil, o tema voltou à agenda nas eleições presidenciais. Enquanto os candidatos favoritos silenciavam sobre o tema por medo de perder votos, Eduardo Jorge (PV), que é médico e fez 0,61% dos votos, ousou tocar no assunto, lembrando que se trata de um problema de saúde pública, já que milhares de mulheres morrem ou sofrem sequelas ao recorrerem a métodos clandestinos. Uma em cada cinco brasileiras de 18 a 39 anos já fez aborto, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto (2010).
Aquecimento global
Foi o ano em que os céticos da responsabilidade humana sobre o aquecimento global entraram de vez para o grupo das espécies em extinção. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chegou a comparar os que ainda negam o fenômeno aos que antes pensavam que a lua era feita de queijo, ao anunciar US$ 1 bilhão para medidas que atenuem as mudanças climáticas. Os reflexos aparecem em todo o planeta. Maior e mais rica metrópole brasileira, São Paulo viu suas torneiras secarem, em uma estiagem histórica. Relatório da ONU apontou que as emissões de gases causadores do efeito estufa elevarão a temperatura média do planeta entre 2,6°C e 4,8°C até o fim do século.
Feminismo
A hashtag #NãoMereçoSerEstuprada invadiu as redes sociais, em resposta à pesquisa do IPEA que apontava que 65% dos brasileiros consideravam que mulheres de roupa curta mereciam ser estupradas. O índice depois foi corrigido para 26%, mas o estupro não saiu da pauta. Nem a luta das mulheres, em diferentes arenas. Cantoras pop como Beyoncé levantaram as bandeiras do feminismo em suas apresentações, e o vazamento de fotos íntimas de atrizes como Jennifer Lawrence fez com que vozes famosas se levantassem pelo direito à privacidade e à liberdade com o próprio corpo. Em diferentes cidades do mundo, a Marcha das Vadias leva adiante a mesma causa.
Maconha
A polêmica discussão sobre a legalização da maconha rompeu os chavões e o preconceito para entrar definitivamente na pauta dos governos. No dia 16 deste mês, o Diário Oficial da União publicou decisão do Conselho Federal de Medicina de liberar a prescrição do canabidiol, composto da maconha, para tratamento de crianças e adolescentes com epilepsia e convulsões que não tenham respondido bem a outros remédios. Em maio, o governo do Uruguai assinou decreto que autoriza o Estado a controlar o cultivo e a venda da maconha, tornando-se o primeiro país sul-americano a legalizar a produção, comercialização e distribuição da droga - com o objetivo de combater o tráfico. No Estado americano do Colorado, a maconha legal virou negócio. Em seu primeiro ano de operações legais, a indústria da erva calcula ter gerado
100 mil empregos e US$ 800 mil (R$ 2,1 bi) em vendas.