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O Congresso pode excluir os gays do Estatuto da Família ou aprovar uma emenda à Constituição para resgatar o financiamento empresarial de campanha. Não importa: o ministro Marco Aurélio Mello, ex-presidente da corte, parece disposto a derrubar os dois textos.
Tem sido frequente o STF desautorizar decisões do Congresso. Isso é normal?
O Supremo é responsável por garantir o cumprimento da Constituição. E a própria Constituição concede sua guarda ao Supremo. Portanto, é comum nos posicionarmos de forma contrária a alguma política governamental do Executivo ou a alguma lei aprovada no Congresso. Em um sistema democrático, alguém precisa ter a última palavra sobre questões de interesse maior da sociedade. E o Supremo é o árbitro final.
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Uma comissão da Câmara, apoiada pelo presidente Eduardo Cunha, excluiu os casais homoafetivos do Estatuto da Família. Se o texto for questionado no STF, pode ser declarado inconstitucional?
Pode. Porque, veja bem, não devemos confundir o poder constituinte originário - aquele de 1988, quando a Constituição foi redigida - com um poder constituinte derivado, que é exercido a partir do texto original da Constituição. O que existe hoje no Congresso é um poder constituinte derivado, ou seja, o poder de emendar a Constituição. Mas a Constituição tem cláusulas que encerram princípios perenes, imutáveis. E há um princípio aberto na Constituição que é o da razoabilidade.
O senhor pode ser mais claro?
Nós já proclamamos (em julgamento de 2011) que existe uma união familiar além da constituída pelo homem e pela mulher: a homoafetiva. E hoje já é admitida a adoção por casais do mesmo sexo. Não se pode esquecer que há envolvimento afetivo nessa relação. A sociedade é dinâmica, não podemos parar no tempo.
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Embora o STF tenha proibido o financiamento empresarial de campanha, o Congresso insiste em uma emenda constitucional para liberá-lo. O Supremo também poderá derrubá-la?
Poderá. Votei (no julgamento que proibiu as doações de empresas) a partir de uma premissa: quem elege é o eleitor, não o segmento econômico. Os parlamentares devem representar o povo, não grandes grupos econômicos. Logo, saberei como me posicionar quando este assunto retornar à corte.
Ao confrontar o Congresso, o STF não corre o risco de tomar decisões contrárias ao que pensa a maioria da população?
Sim, às vezes o Supremo precisa adotar uma postura contramajoritária. Quando decidimos de maneira harmônica aos anseios populares, somos aplaudidos. Quando decidimos de forma contrária, somos crucificados. Foi o que houve com o chamado fatiamento da Lava-Jato. Parte da sociedade entendeu que nos pronunciamos de forma política. Paciência. Não somos justiceiros, somos juízes.