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Secretário de Comércio Exterior entre 2007 e 2011, especialista em defesa comercial e negociações internacionais, Welber Barral é um dos muitos brasileiros inquietos com Donald Trump na presidência dos Estados Unidos. Cauteloso, lembra que mesmo em caso de levar adiante suas promessas de campanha, o republicano terá de enfrentar resistências no Congresso. Adverte que a eleição de Trump, mais a aprovação do Brexit, sugere recrudescimento do protecionismo, com ganhos e perdas para o Brasil. Barral também é conselheiro da Fiesp e da Câmara de Comércio Americana (Amcham) e árbitro na Organização Mundial do Comércio (OMC), além de professor no Instituto Rio Branco.
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Quais são os riscos reais para o comércio mundial com a eleição de Trump?Ainda estamos levantando, na prática. Houve muita verborragia, agora vamos ver projeto de fato. Nas promessas dos cem dias, há propostas mais concretas. Em termos de comércio internacional, dividiria em duas partes. Uma é o que o Trump fala. A outra, o que Partido Republicano, com maioria no Congresso, vai querer. São dois pontos importantes.
Tudo que Trump fala tem reflexo em uma política protecionista, principalmente relacionada a empresas americanas que fizeram investimento neste período, sobretudo na China e no México. O que ele vai propor não quer dizer que passe. As empresas americanas que fazem investimento no Exterior têm mecanismos fiscais para reduzir os impostos nos Estados Unidos. Algo que Trump pode fazer é mexer nesses mecanismos fiscais. Isso teria custo maior para empresas americanas que investem no Exterior. É um risco real, pode diminuir o investimento americano no Exterior, principalmente na área de manufaturas. É um problema doméstico americano, mas tem efeito no mundo inteiro, inclusive na América Latina. Hoje, 40% das exportações brasileiras para os Estados Unidos são de comércio intrafirmas. São exportações de empresas subsidiárias americanas no Brasil. Se há dificuldade para aumentar esse investimento, não só o Brasil perde, pode afetar o comércio bilateral.
Outra questão importante é que Trump diz que não vai assinar o Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP). Em termos de relevância econômica, o TPP seria o grande acordo regional de comércio.
Se Trump não assinar o TPP agora, qual o impacto no Brasil? Existe TPP sem Estados Unidos?
Sem os Estados Unidos, não existe a Parceria TransPacífico. Fica só a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), em que a China poderá ter maior protagonismo se o TPP congelar. Quais são os efeitos para o Brasil? O primeiro é que o TPP criaria algum desvio de comércio. Ou seja, outros países teriam preferência em relação a alguns produtos na Ásia. Outra questão é que o TPP criaria muitos padrões de comércio, em relação a barreiras técnicas e sanitárias, entre outras. Isso também seria um risco para o Brasil. Então, o atraso do TPP não é um ponto negativo para nosso país.
A outra questão que também temos que analisar é a diferença entre Trump e o Partido Republicano. Boa parte do apoio republicano veio dos Estados agrícolas, do meio-oeste dos Estados Unidos. Esses Estados, com representação no Congresso, vão pressionar, não só por mais medidas protecionistas, mas por subsídios. Pressionam muito por subsídios agrícolas. Isso tem dois efeitos. Um é a exportação brasileira para os Estados Unidos, e a outra, a questão do preço internacional das commodities.
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Nesse caso, o preço das commodities tende a subir ou a cair?
Quando os Estados Unidos adotam medidas protecionistas na importação, há problema de exportações para lá. Há mais oferta no mercado internacional, e o preço cai. O segundo efeito é quando os Estados Unidos subsidiam sua produção, o que é muito comum em milho, soja e algodão. À medida que cresce o subsídio americano para produtos agrícolas, os preços caem no mundo inteiro.
E qual o impacto da eleição de Trump para o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta)?
É muito difícil que Canadá e México aceitem revisão nos termos do Nafta. Trump vem batendo no acordo justamente por conta dos investimentos de transferência de empregos americanos para o México. Ele continuará batendo nessa questão. O ponto é que México e Canadá não vão dizer que não vão negociar. Sentarão à mesa, mas não sairá nada. Será um processo longo. Os dois países vão procurar apoio das empresas americanas, fazendo lobby no Congresso.
O descontentamento com a globalização, visto na eleição americana e no Brexit, terá impactos efetivos?
O movimento de nacionalismo tem como consequência o protecionismo. O comércio internacional não crescerá neste ano.A tendência de alta do protecionismo é ruim para todo o mundo. O protecionismo foi a grande razão da crise de 1930, que culminou na Segunda Guerra Mundial.
Em 2008, durante a crise global, falava-se em protecionismo. Esse movimento está chegando atrasado agora?
Pode estar chegando com atraso. Em 2009, o G20 foi muito feliz ao conseguir uma declaração dos principais países, como o Brasil, de se comprometer a não adotar medidas protecionistas. De lá para cá, não houve mais esse compromisso. Infelizmente, o mundo pode caminhar para movimentos com aumento de protecionismo.
E qual o impacto desse cenário para o Brasil, que ensaiava abertura econômica?O Brasil estava em um movimento de fechar mais acordos e abrir a economia. Provavelmente, não conseguirá fazer isso.
Essa situação pode comprometer o crescimento da economia brasileira?
Pode. Infelizmente, pode. O Brasil é competitivo, principalmente em produtos agrícolas. Tem que continuar brigando para abrir mercado, para fazer acordos. O aumento de consumo no mundo, principalmente no setor agrícola, ajuda o Brasil. Mas, seguramente, o crescimento do protecionismo torna o comércio mais difícil.
Em artigo no The New York Times, o ex-primeiro ministro da Suécia Carl Bildt afirmou que as promessas de Trump representam o ''fim do Ocidente, tal como o conhecemos''. O resultado da eleição indica tudo isso?
Pode ser, mas é muito cedo para dizer. As instituições americanas são muito fortes. O Congresso tem muito poder. Boa parte das propostas do Trump não será aceita nem pelo Partido Republicano.
Não é estranho que um republicano chegue à presidência com discurso protecionista, já que a maioria do partido sempre foi contrária a isso?
Principalmente os republicanos do meio-oeste dos Estados Unidos, por conta do setor agrícola, são muito protecionistas. Durante o governo Bush, o subsídio cresceu mais do que na gestão Clinton. Poderemos ter uma situação em que parte dos republicanos votará com os democratas, e contra o presidente. Isso é interessante.
Acordos que estão há muito tempo em gavetas, como Mercosul-União Europeia, avançarão nesse cenário?
Se o isolacionismo dos Estados Unidos aumentar, pode crescer o interesse de parceiros em ter acordos com o Mercosul genericamente. Agora, cada caso concreto terá de ser analisado. O acordo com a União Europeia é extremamente complexo e depende de uma série de problemas dentro do bloco.