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Por mais que o mineiro Eduardo Giannetti da Fonseca queira relativizar a economia – segundo ele, como a saúde, quando está bem deveria dar lugar a outras preocupações – sua área de formação está dando mais dor de cabeça do que conforto. Em passagem por Porto Alegre, Giannetti reservou alguns minutos para falar com a coluna sobre a volta da instabilidade política e seus efeitos sobre a esperada retomada.
O resultado do PIB frustrou a expectativa de retomada mais rápida. Houve mudança de cenário ou excesso de otimismo?
De fato, houve excesso de otimismo quanto à velocidade da recuperação da economia brasileira. Diria que, até setembro ou outubro, imaginava-se que o quarto trimestre seria de crescimento zero e entraríamos em território positivo, com perspectiva de o PIB fechar 2017 com alta de 1,5% a 2%. Isso não está se materializando. Acabamos de ter o terceiro trimestre fortemente negativo. Os indicadores antecedentes do quarto trimestre não são bons. Tudo parece mostrar que a recuperação será mais lenta e menos confiável. Há revisão para baixo de todos os indicadores para 2017.
A realidade mostra que há pendências prejudicando a retomada. Temos indefinição no quadro fiscal. As medidas que o governo de Michel Temer apresentou são de médio e longo prazos. O desemprego está muito alto, o que prejudica muito a capacidade de gastos e gera muita incerteza até mesmo em quem está empregado. Portanto, ficam defensivos e retardam gastos, sem aceitar riscos. As empresas têm muita ociosidade, o que retarda o processo de retomada de aportes. O processo de privatizações e concessões também não está trazendo o alento esperado no curto prazo. As exportações não reagem porque o câmbio se tornou menos competitivo, embora depois da eleição de Donald Trump tenha havido uma correção. Por fim, as famílias brasileiras estão muito endividadas. Enquanto não houver melhoria na situação patrimonial das famílias, dificilmente voltarão a gastar. Não poderia deixar de mencionar a incerteza política, que se agravou porque o governo Temer vai ficando a cada dia mais fragilizado, tanto por escândalos internos como pela perspectiva de que delações atinjam sua cúpula.
A incerteza política tem saída?
Apesar do Mensalão, da Lava-Jato e de tudo que foi apurado, membros do ministério e da cúpula governante continuam agindo como se nada tivesse acontecido. Não percebem que o quadro mudou. Além disso, as delações premiadas que estão a caminho indicam fortemente que os membros do governo serão atingidos. Isso prejudica a governabilidade porque o capital político fica comprometido. Sua capacidade de liderança e de respeitabilidade fica enfraquecida.
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Qual o peso dos cisnes negros do cenário externo no Brasil?
Estão se repetindo com tanta frequência no mundo que estão virando regra (risos). Daqui a pouco, a exceção será o cisne branco. Mas é um componente menor. Agrava, mas não é protagonista, até porque os primeiros indícios são de que o governo Trump não será de ruptura. Tentará suavizar o discurso e as práticas do ponto de vista político-social. O componente externo existe, mas é menor diante da encrenca interna em que o Brasil está.
Em 2001, na Argentina, houve sucessão de presidentes em poucos dias. O Brasil se aproxima dessa situação?
Não vejo isso. Tudo logicamente possível pode acontecer, mas acho que estamos muito longe do colapso de governo e governabilidade, como o da Argentina naquela época. Será muito ruim para o Brasil ter um governo sem capacidade operacional e de liderar reformas em momento tão delicado como o da economia nacional. Em paralelo, poderia ser como a situação que o governo de José Sarney viveu depois do fracasso do Plano Cruzado. Podemos ter uma sarneyzação.
As reformas propostas pelo governo ajudam ou agravam o problema?
Defendo a PEC 55, que estabelece limite aos gastos públicos. Entendo que não dará conta sozinha para fazer o ajuste fiscal de que o país precisará, por bem ou por mal. A medida, bem desenhada, é o primeiro passo. É fundamental que tenha sequência, com reforma da Previdência e outras medidas de ajuste de gasto público, para que o Brasil entre em uma trajetória de sustentabilidade em relação ao endividamento público.
A PEC 55 merece o apelido recebido de "PEC da Morte"?
Não. Porque não diminui os gastos em saúde e educação. Apenas estabelece que, se o Brasil quiser gastar mais em saúde e educação do que já gasta, terá de economizar em áreas que não são prioridade. Esse é um exercício natural em qualquer democracia em que existe restrição orçamentária firme. Se o país tiver prioridades e quiser gastar mais em algumas áreas, terá de economizar em outras. O que não dá é continuar acomodando o aumento do gasto público com aumento de impostos, como ocorre desde 1988. Esgotamos o ciclo de expansão fiscal que começou na época. A partir de agora, o orçamento terá de pensar melhor no que deseja fazer com os 34% do PIB que correspondem à carga tributária bruta.
Falta debate para explicar o que é a PEC do teto dos gastos?
O nome "PEC da Morte" é totalmente injustificável. Não é cabível chamá-la assim. O que a medida diz é que a expansão do gasto público não continuará sendo financiada por aumento de impostos. Isso é a PEC da Vida. Tirar dinheiro da população para gastar com sei lá o que, sem investimento, é a morte. Falta cidadania tributária, falta informação. Fiquei muito impressionado com a guerra de desinformação que se armou no Brasil em relação à PEC. Os corporativistas e os corporativismos são capazes de gerar ruído para proteger seus interesses. Fazem isso com enorme competência, até porque são interesses muito aguerridos e concentrados. Geram ruído para criar clima de animosidade em relação à medida, que é importante para o saneamento das contas públicas.
Diante desse clima, como o governo deveria se comportar?
O governo Temer tem uma característica curiosa. É hábil na construção de maiorias na Câmara e no Senado, mas tem se revelado muito inábil na comunicação com a sociedade. Não consegue colocar com clareza as escolhas que o Brasil terá de fazer. Se continuarmos no caminho em que estamos, será pior para todos, inclusive em saúde e educação. O que acontecerá com a União é o que está acontecendo nos Estados. O Rio Grande do Sul é um exemplo. Não haverá dinheiro para pagar servidores. Aí sim o gasto com saúde e educação será enormemente prejudicado.
Uma das críticas ao governo é de que, sem ter sido eleito pelo voto, não teria legitimidade para decidir os próximos 20 anos do país. É um ponto defensável?
Esse governo, gostemos dele ou não, foi eleito. Quem o escolheu foi o grupo liderado pelo PT. Quem resolveu se aliar e se eleger com esse segmento do PMDB foi o PT. Não existe Temer sem Dilma. Se Dilma tivesse ficado doente, o vice-presidente assumiria naturalmente. Ficar gritando "Fora, Temer" e dizer que não é legítimo? Quem mandou escolher quem escolheu para se eleger a qualquer preço?
O que pode permitir a retomada, mesmo em prazo mais longo?
Precisamos pensar em medidas fiscais de curto prazo, apesar de não aceitar aumento de impostos. Acho que há espaço para medidas de curto prazo. Temos de continuar com o movimento de redução do juro primário, talvez com ritmo um pouco mais intenso, já que a retomada da economia está desapontando. Se a economia estivesse se recuperando como imaginávamos há dois meses, não seria necessário acelerar esse processo. Com o risco de agravamento em 2017 do quadro recessivo e a queda forte da inflação, é mais interessante a redução mais contundente do juro primário no curto prazo.
Qual o tamanho do risco de aumento no juro americano, com reação cambial e pressão sobre a inflação?
Não trabalho com essa hipótese. Acho que não haverá inflexão na política monetária americana. O Federal Reserve (Fed) é independente, não obedece a governo. Se houver forte expansão americana, não será imediata. Acho que se abriu espaço para aceleração da redução no juro básico no Brasil. O Banco Central (BC) conseguiu uma vitória importantíssima, que é a convergência da expectativa de inflação em 2017 para perto do centro da meta. O Brasil precisa de um impulso, que pode vir da política monetária. Ajudaria muito se viesse o reforço da política fiscal.